sábado, fevereiro 28, 2009

ditablanda: pode ser a gota d'água

esta já circula (quase) livremente entre jornalistas, olha só uma das (possivelmente muitas) origens do pernóstico termo "ditabranda" que tanto nos anda assanhando cá na blogosfera. a "ditablanda", na "boca santa" do "cordeirinho" augusto pinochet! - que o digam as mãos amputadas e o cadáver de victor jara.



seria o jornalismo da piada pronta? não, não seria, porque como piada soaria macabra, sem a mínima graça. e nada haverá de piada, se desgraçadamente for útil para desnudar os mecanismos ideológicos de certo tipo de "jornalismo" (se gostam tanto de comparar a venezuela de chávez com tudo que aparece pela frente, pergunto: seria a oligarquia midiática brasileira tão parva quanto a venezuelana? meu deus, socorro, seríamos?).

enfim, para quem possa porventura estar achando exagerado todo o fuzuê em torno de uma "palavrinha" só, há uma reflexão que eu gostaria de propor: a, digamos assim, irritação extrema desabafada por pencas de leitores contra o termo "ditabranda" (vide, por exemplo, os leitores do blog-folha-uol do marcelo coelho) talvez não se explique apenas por ela própria, nela própria.

não faz pouco tempo que a "folha" vem, digamos assim, irritando leitores que por décadas lhe foram caninamente fiéis e equinamente leais (eu incluído entre eles, em maringá e em são paulo, fora e dentro da redação da barão de limeira). prest'enção, a irritação contra o escorregão na banana da ditafunda pode ser bem mais que mera e passageira irritação (hoje também sou daqueles que, como vi outros leitores blogosféricos afirmar, desligam o telefone na cara da moça das assinaturas da "folha" quando ela vem querer me convencer a voltar a ficar de rabo preso com o jornalão).

como diria um cantor popular que nunca foi o predileto da "folha", pode ter sido a gota d'água que faltava para despejar todo um aguaceiro represado.

qualquer desatenção, faça não. pode ser a gota d'água.

ou, para visitar ainda o mesmo compositor.

o lema do cão: lealdade eterna-na, não fazer baderna-na. entrar na caserna-na, o rabo entre as pernas-nas. fidelidade à minha farda, sempre na guarda do seu portão. fidelidade à minha fome, sempre mordomo e cada vez mais cão.

mas, em compensação, o coice do "burro": jumento não é, jumento não é o grande malandro da praça. trabalha, trabalha de graça. não agrada ninguém, nem nome não tem, é manso e não faz pirraça. mas quando a carcaça ameaça rachar, que coices, que coices, que coices que dá.

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

abre a janela, vem ver como é lindo o luar

agora consigo abrir a janela vermelha, mas não consigo publicar nada nela. para não esfriar o assunto, "subo" para cá o que tentei escrever acolá. quem quiser mandar telegrama, sugiro a caixa postal do outro blog, o moribrando, quero dizer, moribundo www.pedroalexandresanches.wordpress.com, ou então numa velha agência dos correios & telégrafos, pro pas@cartacapital.com.br (se alguém puder me orientar pra consertar a janela emperrada, agradeço sorridente). e vamos nós:

olá, juliano! (seríamos parentes afastados, perdidos?, haha.) fico honrado com seu comentário/aparição, essa questão dos "carroceiros, profissionais de limpeza de banheiro, garis e margaridas" é daquelas que marcam como ferro quente no lombo da gente (e talvez por isso a gente prefira fingir que eles são "invisíveis", não é meio por aí?) - por isso mesmo, fascinante (e os "trabalhadores braçais" estão, com toda certeza, no topo da lista de minorias que eu esvoacei no tópico do "milk". fico curioso de saber mais sobre suas pesquisas, se quiser compartilhar tamos nós aí!

ah, mais duas coisas: a) adorei a amplitude da sua lista de interesses!; b) a lista dos teus trabalhos/"empregos" também é de alto impacto para mim - me traz de volta à boca aquele gostinho (que quase sempre me acompanha) de que talvez a vida jornalística não esteja mesmo morando dentro das "grandes" redações...

cadu, merecia, ah, se merecia!, hahaha. por falar nisso, esses confrontos em forma de torta na cara, sapatada & parada gay não são radicalmente mais interessantes que aqueles de bomba, metralhadora etc.? e, por falar niss'outro, o obama anunciou que os eua se retirarão do iraque, não foi? aleluia, gretchen!

pois é, henrique, mas, sabe?, eu não vejo muitas diferenças de fato entre os eua e a gente, em relação a essas coisas, não (taí o presidente-operário, dando lição pro mundo, né?)... fico achando só que a gente é um pouco mais dorminhoco que eles - ou talvez nem seja mais...

e, sobre a meditabranda "folhona", a maria victoria benevides produziu um texto-resposta à "folha", que não está saindo na "folha", mas sim na "carta capital" que chegou hoje às bancas. achei curiosa a resposta, bem pragmática, levantando umas razões bem práticas para a "folha" ter sido tão grosseira quanto foi.

aproveito e copio cá as três, três e meia razões compiladas pela victoria para explicar a "inacreditável estupidez" do jornalão:

"1. A combativa atuação do advogado Comparato para impedir que os torturadores permaneçam 'anistiados' (atenção: o caso será julgado em breve no STF!). 2. O insidioso revisionismo histórico, com certos acadêmicos, políticos e jornalistas, a quem não interessa a campanha pelo 'Direito à Memória e à Verdade'. 3. A possível derrota eleitoral do esquema PSDB-DEM, em 2010. (Um quarto ponto fica para 'divã de analista': os termos da nota - não assinada - revelam raiva e rancor, extrapolando a mais elementar ética jornalística.)"

obs.: a íntegra do texto da benevides já está no site da "carta capital":

'ditabranda' para quem?

a propósito: ei! eu já escrevi sobre o "direito a memória e à verdade" na "carta capital"!:

ossadas a céu aberto

mas infinitamente mais bem escrito e detalhado está aqui, ó:

direito à memória e à verdade

ricardo, pois é, pois é, pois é... (gracias pelo elogio!)

márcia w., a tua pergunta planta uma dúvida instantânea atrás da minha orelha, mas por enquanto eu juro que ouvi o milk dizendo no filme, ele em pessoa, que além de gay era judeu (alguém me confirma? ou me desmente?).

sobre o ponto do personalismo, eu concordo com você - nunca é muito saudável nós nos ancorarmos (muletarmos?) demais em figuras personalistas/paternalistas, tipo lulas, fidéis, bushes, hitlers, caês, né? eu só não costurei esse teu nó no meu tricô porque tava mais encafifado com os outros tantos nós listados no tópico.

sim, por supuesto!, milk = matogrosso!!! só desanimo quando o "nosso" milk fica vociferando por aí que "política é o fim", justo ele que ajudou a construir a babel chamada brasília...

marlonbranda

estou há horas sem conseguir acessar minha própria caixa de comentários, a nossa janela vermelha - alguém sabe o que acontece?, won't you please please help me?

enquanto isso, o caso "ditabranda" ferve na blogosfera e além (a profa. maria victoria benevides responde pragmaticamente à "folha", mas não na "folha', e sim na "carta capital" que chegou hoje às bancas - já viu?).

e eu deixo abaixo apenas dois possíveis links, entre uma multidão deles que não paro mais de encontrar, e quem quiser que conte outra, enquanto a janela vermelha não vem.

a) do blog do rodrigo vianna:

os vínculos entre a "folha" e a marlonbranda

b) do tivi brasil:

um cara que esteve nas garras da ditabunda

e quem quiser que conte outras...

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

brokeback mountain

apenas algumas anotações interligadas, após ter assistido ao "milk" de gus van sant (de que gostei imensamente):

@ um dos detalhes que mais me emocionam é o fato de ser um filme cuidadoso em enobrecer a política. foi uma lufada de ar nos meus pulmões, que vivem intoxicados de jornalismo - ou melhor, de certo jornalismo praticado em "grandes" empresas de comunicação, as mais reacionárias e direitosas delas. refiro-me ao jornalismo, ou melhor, ao "jornalismo-entre-aspas" que criminaliza a política, só folcloriza a política, só utiliza a política como isca para vender "notícia" a uma sociedade também viciada em criminalização, folclorização, negativismo, olhar distorcido, catastrofismo.

@ refiro-me, cê tá me entendendo, ao "jornalismo" que chama democracia de ditadura e ditadura de "ditabranda" - e que, quando criticado por abuso verbal cometido, reage feito o moleque contrariado que tira a bola do jogo ("é minha!"), feito o imaturo que grita "você não pode falar mal de mim porque você é igual a mim, tão péssimo quanto eu", que se defende atacando para desfocar o "perigo" de ter de se auto-examinar e autocriticar. sim, "eu" sou igual a "você" e "você" é igual a "mim" e a gente se espelha, mas e aí?, quem vai soltar a bola?, quem vai tomar a iniciativa de destravar o jogo e deixá-lo fluir? obviamente "eu", e ninguém mais, se for para acontecer, se "eu" quiser de fato que aconteça.

@ mas, ops, o assunto aqui é "milk", por que será que eu confundo e misturo uma coisa na outra?

@ ok, na embalagem "milk" pode ser hollywood convencional e tradicional (a trilha sonora pomposa eu achei chata de doer), mas que importa?, se é um filme que diz o que diz, conduzido por quem tem autoridade para fazê-lo? atrás da perfumaria, "milk" é um tapão na cara dos homossexuais, muito bem dado por gus van sant, um dos raríssimos homossexuais assumidos dentro da globo, quero dizer, de hollywood.

@ o tapão na cara dos gays é o que eu mais aprecio (e o que mais me incomoda) no filme. aquile enredo se desenlaçou na chamada "vida real" por volta de 1978, quando eu tinha 10 anos. há apenas 30 anos havia gente vertendo sangue, suor e lágrimas para conquistar coisas que hoje parecem banais, inerentes, "naturais". para conquistar este futuro que temos agora, melhor, mas ainda medíocre demais, covarde demais. e hoje, o que fazemos para seguir aquela, er, linha evolutiva? muito pouco, nada, quase nada. quando muito uma parada gay por ano, e mesmo assim reclamando, reclamando, reclamando, reclamando, achando tudo chato, tudo errado.

@ tem gente que não faz nada pela política, ou contra a homofobia, ou contra o racismo, e aí faz sabe o quê? vira jornalista, ou "jornalista". senta a bunda numa redação, e... reclama, reclama, reclama, reclama. reclama da política & da despolitização, da homofobia & da parada gay, do racismo & das cotas raciais, da tradicional música popular brasileira & das novas músicas populares brasileiras. outros tantos espelham e espalham o mesmo comportamento por suas respectivas profissões, famílias etc... mas e aí?, quem vai soltar a bola?, quem vai tomar a iniciativa de deixar o jogo fluir?

@ outro aspecto de que gosto muito no filme, e que tem a ver diretamente com o anterior, e que me faz lembrar de "brokeback mountain", de ang lee, é o tratamento dado aos personagens não-homossexuais - quero dizer, aos personagens heterossexuais, homossexuais dentro do armário & adjacências. em geral, eles não são folclorizados, mas sim abordados em profundidade, janelinha aberta para seus conflitos, dramas, incoerências e fragilidades.

@ no duro (não no "brando"), "milk" nem é tão generoso assim com a personagem anita bryant, a cantora pop que, mãe de família e garota-propaganda de suco de laranja, vira feroz militante antigay. ela é um tantinho folcloriza no filme, mas isso aguçou minha curiosidade e me fez voltar correndo para casa e digitar um "anita bryant" no you tube para ver o que aparecia e saber mais sobre uma cantora de que nunca tinha ouvido falar. olha só uma das coisas que apareceram:



@ ainda que fosse mesmo um monstro (anita bryant ainda está viva, poderíamos até tentar saber quem ela é, quem é hoje esse wilson simonal da homofobia), ela se magoa e chora ao ser empastelada na cara por um militante gay. os "monstros" também choram.

@ onde quero chegar com esse comentário sobre filmes "gays" que via de regra não folclorizam "heterossexuais" (ou seja, que não fazem com eles o mesmo que eles fazem com a gente) é que de trás dessa relativa desvilanização podem emergir aqueles que são os principais responsáveis pela homofobia, e que portanto são os mais aptos para jogar a bola para cima e deixá-la flutuar livre, leve e solta pelo campo. não são os "malvados" maniqueístas que hollywood sempre gostou de expor nos filmes feito saltimbancos demoníacos virando cambotas de vilania. não. são (somos) os homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais, pansexuais etc., os que permitem (permitimos) ser maltratados e zoados e humilhados em silêncio por aqueles que seguram a bola feito moleques, "é minha". o tapão na cara. bem dado. com luva de pelica. pelo van sant.

@ e daí (o filme é explícito nisto) emerge a evidência máxima, a mais importante, de que não existem vilões a não ser nos livros da carochinha e de que agredidos & agressores não são assim tãããão diferentes uns dos outros. sendo assim, se ao carinha do terreno baldio vizinho é suprimida uma liberdade, somos todos nós que ficamos sem liberdade. ficamos engaiolados nós, que somos negros, índios, mulheres, idosos, orientais, ciganos, muçulmanos, judeus etc. etc. etc. e que não lutamos, grupal & individualmente e para fora & para dentro de nós, pelas liberdades dos negros, índios, mulheres, idosos, orientais, ciganos, muçulmanos, judeus etc. etc. etc. - ou ela, a liberdade, é para todos. ou não é para ninguém.

@ (só voltando um minuto à política, que eu adoro. eu me lembrava muito do lula - e/ou do chávez, do evo, de toda esta quimérica tribo indígeno-governadora que temos hoje aqui nesta terra natal de índios - a cada vez que harvey milk perdia uma eleição e se reerguia para tentar de novo, e de novo, e de novo, até, pluft, se eleger como num passe de mágica, se me permite a ironia. tenho certeza de que não é acaso ou coincidência o fato narrado no filme, de que o judeu milk - o primeiro político eleito sob uma plataforma eleitoral explicitamente gay nos estados unidos da américa indígena do norte - contava com o apoio político de operários, trabalhadores, sindicalistas & outros bichos que rotineiramente costumamos interpretar como brucutus barbudos, machistas e homofóbicos. naquele microcosmo ali, a liberdade dos operários era a liberdade dos homossexuais.

@ e, retificando o resmungo ranzinza que reclamei acima: não é que fazemos pouco, muito pouco ou nada para desengaiolarmos. fazemos muito, muito, muito, muitíssimo - fazemos muitas vezes sem ter consciência de estar fazendo (e esse é o entorpecente ruim que ainda nos anestesia, a muitos de nós). mas fazemos.

@ será que é por toda essa rede subterrânea de afinidades que sean penn, um ator notoriamente tido como homofóbico, foi o eleito para interpretar harvey milk? o "agressor" se colocando na pele do "agredido", para que, bola solta, o inverso também possa acontecer? que formidável, o sean penn.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

jair de todos os ritmos

tá, é carnaval e eu vou falar de samba. de um tipo de samba que não tem muita entrada na folia pernambucana, na baiana, quanto mais na carioca. samba de paulista lá na beiradinha de minas gerais, mora?

tem até geraldo vandré no esquindô, com as bênçãos de pete seeger, calexico, victor jara, geraldo filme, até mesmo do candombe uruguaio.

e já adianto que o joão marcello bôscoli reagiu ao trecho que lhe diz respeito, e argumento que as coisas não são bem assim. mas saio de folga daqui a pouco, e fica para a volta uma abordagem mais cuidadosa sobre os argumentos de joão marcello na barafunda, na barra funda.

é mais uma da "carta capital" 522, de 18 de fevereiro de 2009:


JAIR DE TODOS OS RITMOS
O intérprete de vasto repertório e voz de blues completa 50 anos de carreira à margem da MPB queridinha

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

O Brasil aceitaria e apoiaria um artista que cantasse ao mesmo tempo sambas e canções sertanejas, jazz e serestas? Aos 70 anos de idade e 50 de carreira, Jair Rodrigues ainda não encontrou uma resposta definitiva.

Parece ser um sonoro e simples sim, considerados o êxito constante e duradouro e a extensa lista de canções por ele imortalizadas de 1963 em diante. Passaram por sua garganta, às dezenas, sucessos em tempo de bossa (O Morro Não Tem Vez), samba impuro (Deixa Isso pra Lá, Tristeza, Triste Madrugada), samba puro (Casa de Bamba, Pra Que Dinheiro), seresta (Chão de Estrelas), samba-enredo (Festa para um Rei Negro, Tengo Tengo), abertura de novela (Irmãos Coragem), moda caipira e sertaneja (Disparada, O Menino da Porteira, Majestade o Sabiá)...

Mas a resposta também poderia ser não, ao levar-se em conta o fato de Jair ser solenemente ignorado, ou no mínimo relegado a segundo plano, em círculos supostamente refinados de amantes da música nacional. Talvez por causa do agressivo vozeirão anti-bossa-novista, ou por misturar sem preconceitos samba e moda de viola, ou por outras razões quaisquer, Jair Rodrigues nunca foi um dos eleitos pela mídia. Construiu uma história colossal (são 42 álbuns até hoje, três deles em dupla com Elis Regina, outra militante anti-bossa), sempre à margem e à revelia de normas e padrinhos ditos "intelectuais".

A habitual resistência contra quem não cabe em rótulos musicais estanques lhe trouxe conflitos, como Jair conta a CartaCapital, refestelado num dos jardins da ampla casa onde mora, num sítio povoado de gente, cachorros e galinhas, em Cotia, não muito longe da capital paulista.

"No começo eu era considerado o sambista, apenas. O pessoal torcia o nariz quando eu queria gravar seresta. 'Que nada, você é um sambista, você não pode ficar com pé em duas canoas', diziam. Eu obedecia, mas não obedecia muito, não", conta, entre os gestos largos que o caracterizam.

Jair é ao mesmo tempo sambista e paulista, combinação que costuma gerar desconfiança em quem acredita ser o gênero propriedade registrada do Rio de Janeiro. Ele se refere à rixa com sutileza, ao afirmar que a frase de Vinicius de Moraes sobre São Paulo ser o túmulo do samba foi o que fortaleceu, por reação, a vertente paulista do gênero. Também insinua que a manchete com a tal frase foi distorção da imprensa. "Imagina, Vinicius não saía de São Paulo", espanta-se.

O samba morava mesmo em seu sangue, mas não havia nada de artificial em sua hibridez musical. Não só paulista, Jair é também interiorano, nascido em Igarapava, zona rural, perto da divisa com Minas Gerais. Em sua opinião, foi a vitória no festival da Record de 1966, com a canção de protesto Disparada, de Geraldo Vandré, que o "liberou geral" da obrigatoriedade do rótulo único. "Aí todo mundo acreditou, os produtores inclusive, e deixei de ser sambista para cantar de tudo."



Ele não reage com naturalidade à proposição de que nos anos 1960 seu canto tenha representado, ao lado da voz de arrastão de Elis, uma frente de oposição à bossa e à supremacia do sussurro macio orquestrado por João Gilberto. Diz que era fã de Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, Elizeth Cardoso, Maysa, Agostinho dos Santos (este acima de todos), apenas isso.

"Eu cantava bossa nova, mas do meu jeito. Não ficava naquelas de (canta sussurrado) olha, que coisa mais linda, mais cheia de graça." E abre os braços, e repete os mesmos versos, mas em trovão.

A diferença não o incompatibilizou com o intérprete de O Pato. Emociona-se ao lembrar quando foi convidado a um show de João e depois chamado por ele ao camarim. "Estava cheio de gente, ele me chamou, me abraçou e falou: 'Jair, parabéns, como é o nome de seus filhos?'", conta o pai dos também cantores Jair Oliveira e Luciana Mello.

"Falei os nomes, e ele (cochicha): 'Luciana vai ser a maior cantora do mundo'." A caçula era adolescente e havia gravado um primeiro CD. Mais tarde, João redigiu de punho próprio uma carta de recomendação para ela ser aceita no curso de música em Berkeley, nos Estados Unidos. Luciana não chegou a ir.

Embora comemore o "liberou geral" de Disparada, Jair permaneceu na mesma gravadora, Philips, até 1984, onde gravou dezenas de discos apontados para o samba (e três de serestas clássicas). A parceria musical-televisiva com Elis terminou em 1967, e ela disparou à posição de predileta enquanto ele foi para o povão e conduziu a explosão do samba-enredo salgueirense Festa para um Rei Negro, aquele do refrão olelê, olalá/ pega no ganzê, pega no ganzá.

Confirma uma história que já contou publicamente, de que seu produtor na gravadora, o baiano Roberto Santana, ligado ao núcleo tropicalista, andou desviando para outros intérpretes sambas que haviam sido feitos para seu gogó. Cita o caso de Sufoco, que acabou na voz da sambista maranhense novata Alcione, levada por ele à Philips, e por ele considerada ainda hoje a outra "maior cantora do mundo", junto de Luciana Mello.

Permaneceu sempre próximo a Elis ("Jairzinho nasceu no mesmo dia que ela, 17 de março"), mas o público só foi se lembrar da ligação quando ela morreu, em 1982. Convocado a se manifestar, causou controvérsia e isolou-se ao externar publicamente a perplexidade e a reprovação pelo vínculo entre a morte da amiga e o uso de drogas.
"Quando me perguntaram, falei que os falsos amigos e puxa-sacos ao redor da Elis podiam ter colocado aquilo na bebida dela. Bastou, a carapuça serviu em não sei quem", lembra. "Muitos inventaram que eu entrava no palco doidão e ficava falando mal dos colegas", zanga-se. E busca dissolver a imagem que dele se vendeu: "Eu tinha grande amizade com Raul Seixas, Nelson Gonçalves, Tim Maia".

Aqui, remete outra cutucada sutil à imprensa, ao hábito jornalístico de apelar a títulos sensacionalistas. "Um me perguntou se eu não tinha medo dos traficantes, eu disse que não. Saiu a manchete, como se eu estivesse desafiando: 'Jair declara que não tem medo de traficante'."

A lembrança de Elis o conduz ao filho da parceira, o hoje produtor João Marcello Bôscoli, que lançou pela gravadora Trama os seis títulos mais recentes de Jairzão. Conta que há dois meses Bôscoli lhe propôs fazer um disco com clássicos de compositores "da antiga" como Noel Rosa, cujas obras caíram em domínio público. Aceitou no ato, e marcaram um almoço para discutir o projeto. No dia, esperou mais de duas horas, e Bôscoli (cuja gravadora anda aparentemente parada há cerca de um ano) não apareceu. Reconhece-se magoado: "Cheguei quase chorando aqui em casa, como é que pode isso? Todo respeito que eu tinha pela mãe do cara, de repente ele me faz uma falseta dessa?".

De modo menos diplomático Jair revida outro desafeto recente, Edson Menezes, um dos autores de seu maior emblema musical, Deixa Isso pra Lá, festejada como precursora do rap. Lançada em 1964, é aquela em que ele mais fala do que canta, deixa que digam, que pensem, que falem/ deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem?/ eu não tô fazendo nada, você também/ faz mal bater um papo assim gostoso com alguém?, entre gestos expressivos com as mãos.



Essa canção é constantemente requisitada para comerciais tão diversos quanto os de óticas populares e vacina antigripe para idosos. E Menezes tem sistematicamente emperrado o uso publicitário da canção, cobrando valores que os anunciantes não aceitam pagar.

"Nunca vi um compositor tão idiota como esse Edson Menezes", diz. "Telefonei eu mesmo, fazia anos que não nos falávamos. Ele disse: 'Esses caras pensam que a gente está na miséria, não preciso de 8 mil reais'. Eu: 'Edson, é bom, a música fica cada vez mais com o povo. Também não preciso, graças a Deus, mas grana é grana, não rasgo dinheiro'. Ele: 'É pouco, não preciso'. Aí falei: 'Então vai à merda, PT, saudações'", inflama-se.

Menos conhecedor dos trâmites do marketing que Menezes é um cara sobre o qual só após muita conversa Jair faz revelação. Vai contando de mansinho a proposta surpreendente que recebeu, deixa isso pra lá, o que é que tem?, eu não tô fazendo nada, nem você também...

"Eu estava no estúdio da Trama, Geraldo Vandré apareceu por lá. Propôs que eu gravasse um disco só com músicas dele. Falei: 'Velho, vamos fazer o seguinte. Posso regravar Disparada, Fica Mal com Deus, Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores, mas, Geraldo, me mostra as inéditas que eu sei que você tem'. Estou sabendo que ele tem 200 músicas inéditas, e uma melhor que a outra!".



Narra a reação do misteriosíssimo músico sumido dos holofotes desde o AI-5. "Vandré respondeu assim: 'Não gosto de frio, vou para o norte. Não, vou para o México, que lá não faz frio. Lá vou me lembrar das músicas, depois te ligo, você vai para lá para a gente cantar junto'", reproduz Jair, às gargalhadas.

Reação de "maluco", tal qual muito se especula sobre o enigmático retiro de Vandré? "Ele é um mistério. Não gosta que o chamem de Geraldo Vandré mais. É Geraldo Abrunhosa de não sei o quê e não sei o quê. Diz: 'Geraldo Vandré está lá fora, ainda não voltou do exílio, não volta mais. Geraldo Vandré morreu'. Mas doido ele não está, ainda não rasgou nem um real perto de mim. Vandré adora é quando faz você pensar que ele está maluco. Mas não está nada, é o cara mais lúcido que existe."

"Passei para João Marcello esse outro projeto, depois liguei para o Vandré, e ele: 'Ô, Cachorrão, vamos fazer'. Mas ele é assim, hoje está aqui, amanhã você o procura, está na Cochinchina. Soube que tem um cartão do Exército ou da Marinha, pode ir onde quiser, não paga nada. De repente diz 'vou para o Rio Grande do Norte'. E vai."

De Noel Rosa a Chitãozinho & Xororó (seus convidados na gravação de Majestade o Sabiá), mundo grande sem porteiras, Jair continua a visitar e ser visitado, sem restrições, pelos mais díspares currais da música brasileira. Recebe Vandré no estúdio e recebia os Racionais MC's nas rodadas de futebol que promovia dez anos atrás em seu sítio. Nos shows que fez no início de fevereiro pelos 50 anos de carreira (e que em breve virarão DVD), cantou com Alcione e Jorge Aragão, Pelé, Rappin' Hood, Chitãozinho & Xororó, seus filhos e os dos amigos Elis (Pedro Mariano) e Wilson Simonal (Simoninha e Max de Castro).

Há um ano e meio, Jair virou avô de Isabela, filha de Jairzinho. Em maio, nascerá a segunda neta, filha de Luciana. Diante dessas visitas, retrai-se, nem parece ele mesmo. "Não estou curtindo ainda a Isabela, por não poder. Quem curte adoidado é (sua esposa) Claudine." O que o impediria de curtir a netinha? "Quando ela nasceu, eu chegava, 'oi, Isabela!'. Ela me via e (imita) começava a chorar. Virei espanta-neném?", ri, repentinamente tímido. "Agora me vê e pede: 'Dança, vovô Jairzão'. Alguém falou que sou doido, ela me vê e diz: 'Vovô é doido'", gargalha e gesticula vovô Jairzão.

vou beijar-te agora, não me leve a mal

sabe uma coisa que me cansa?

a choradeira anual do pessoal que odeia carnaval (putz, será que essas rimas todas dão marchinha?).

mania de resmungo, síndrome de abutre, sô, deve ser por isso que (quase) todo ano chove nesta época [pra alegria dobrada dos foliões, aliás, pois o ca(rnaval)lor é de derreter] - sabe aqueles personagens de desenho animado que (moram em são paulo,) têm nuvenzinha em cima da cabeça e levam chuva pra onde vão?

eu tô mais é com o gabriel, que diz que "o carnaval é melhor que o natal e o reveillon juntos!", hahahaha.

pô, queridão, queridinha, não é obrigatório pular, mas, pô, vai desfrutar do teu feriado, pô!

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

bora-bora

da "carta capital" 533, de 18 de fevereiro de 2009.

MANSIDÃO APÓS A TEMPESTADE

Brasil Afora (EMI) chega com pinta de ser o primeiro disco em que Os Paralamas do Sucesso realmente descarregam o peso das costas e soltam os ombros desde o acidente sofrido por Herbert Vianna, em 2001. Suas linhas condutoras são o descompromisso e a alegria, quase o tempo todo.

E o trio faz o que costuma fazer quando é hora de soar "para cima". Mergulha em reggaes, levadas baianas influenciadas pelo parceiro Carlinhos Brown (Sem Mais Adeus) e pops na linha do ensolarado projeto Tribalistas, de Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes (de 2002). Nesse diapasão destaca-se, sobretudo, A Lhe Esperar, de Antunes e Liminha. Outra veia que salta é a da nordestinidade, certamente trabalhada por Herbert, nascido paraibano tal e qual o convidado especial de Mormaço, o bardo Zé Ramalho.

O rock permeia cada detalhe, como de praxe, e só força mão pesada na faixa-título, quase ao final da jornada. Não chega a doer, pois logo em seguida vem Tempero Zen, o momento mais suave e elegante do CD, a despeito da leve semelhança com o nervosismo roqueiro da banda The Doors. Quem não sonha em se ver/ compreendido e perdoado,/ ver seus erros e tropeços/ como equívocos explicados?, pergunta Herbert com voz segura, demonstrando que não apenas a alegria é a prova dos noves. - POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

*

A inglesa Lily Allen surgiu como integrante da claque das cantoras que interessam à mídia mais pelos escândalos que produzem que pela música que fazem. Tão rebelde e desenfreada como Britney Spears e Amy Winehouse, não deixa de merecer certa má fama musical, a bordo de situações como o mal-ajambrado show que fez aqui no Brasil. Mas, se costuma oferecer carne e carniça fartas de bandeja à mídia fofoqueira, Lily em contraponto entrega material pop de qualidade em seu segundo álbum, It’s Not Me, It’s You (EMI). Não é só que são divertidas faixas como Not Fair e Fuck You. Por vezes choronas, as letras revelam uma artista tão confusa e pontuda quanto as encrencas em que se mete, mas bem mais lúcida e cortante do que faria supor a estrelinha do "jornalismo de celebridades". – PAS

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

pra não dizer que não falei de flores



, mas também

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

por falar em victor jara

se a primeira canção do disco do bruce é sobre um pete que quase parece ser o seeger, encontro um paralelo fortuito em "carried to dust", o álbum mais recente do grupo estadunidense calexico. chama-se "victor jara's hands" o folk de abertura do disco do calexico.

victor jara mal chega a ser mencionado na balada em inglês-e-espanhol que leva seu nome, e mesmo suas mãos são mencionadas assim rapidamente, ligeiramente.

mas foi um cantor e compositor chileno, o victor jara. e suas mãos são protagonistas de uma história pavorosa.


cantor de protesto, jara foi colhido pelo implante da ditadura de augusto pinochet - derrubadora de salvador allende - no chile. foi um dos aprisionados no estádio chile convertido em campo de concentração pelo terrorismo de "estado" naquele 1973. explica um texto em português de portugal, no site wikipedia.com:

"Há alguma controvérsia quanto às torturas que teria sofrido durante os dias de cárcere antes de seu assassinato a tiros, no dia 16 de setembro do mesmo ano. O certo é que Jara teve suas mãos cortadas como parte do 'castigo' dos militares a seu trabalho de conscientização social aos setores mais desfavorecidos do povo chileno".



a mãe de jara, amanda, que também havia sido cantora, tinha sangue indígena. era descendente dos mapuches ou araucanos (na foto abaixo, lloncon, um líder mapuche de 1890), originários de terras hoje chilenas e argentinas (dá-lhe "cultura" de virtualpédia...).


a primeira vez que fui prestar atenção no nome "victor jara" foi há pouco tempo, numa entrevista, quando o ouvi ser pronunciado pela boca de sérgio ricardo - eu então nem sequer sabia como se escrevia "jara".

ah, mas o calexico.

olha só que rica definição o site allmusic.com produz sobre esse pessoal do arizona:

"Calexico, a Tucson collective of musicians focused around Joey Burns and John Convertino, forged an eclectic identity through their exploration of Southwestern culture. Composer Ennio Morricone's spaghetti Westerns as well as Portuguese fado, Afro-Peruvian music, and '50s and '60s jazz, country, and surf music all factored into Calexico's music".

(o que é "música afro-peruviana"?)



conta-se ali também que uma música do calexico, a maravilhosa "crystal frontier", já foi utilizada como tema para acordar astronautas em missão no espaço. tal qual beth carvalho com "coisinha do pai" - mas menos samba, mais mariachi.

são eles aqui, os dois calexicos, segurando o siri (ou caranguejo?):


por falar nisso, não há aí uma certa atmosfera de johnny cash na capa de "bitter tears (ballads of the american indian)"?


o disco indígena de johnny cash saiu em 1964, o mesmo ano em que começou uma ditadura militar cá no brasil.

mas, ah, o calexico.

aí ouço a faixa 7 do disco deles, "inspiración", uma voz feminina canta deslumbrantemente em castelhano. vou ver o nome da voz, é amparo sanchez. não deve ser minha parente, hahaha, mas vai saber se não houve troca de fluidos entre os índios daqui, dali e d'acolá...

sei lá eu se estou pirando (ou se as coisas estão melhorando), mas achei tão estranhamente brasileiro esse "carried to dust" do calexico. tão trans-amazonicamente bonito, eu quero dizer.

(alô, eduardo!, alô, adriana!, alô, laís!)

e já reparou que, por trás daquela ruiveza judia, bob dylan tem um jeitão indígena também? pois a rita lee, falsa-ruiva, não é filha de filho de índio pelee-vermelha? diz que é.

it's life itself...

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

pete fora-da-lei, bob bandoleiro

além de ser linda de morrer, a balada excruciante que abre o novo disco de bruce springsteen, rende muito, muito pano para manga. nos seus oito minutos de duração, e muito além, "outlaw pete" é verde e gelada como a "brokeback mountain" de ang lee.

"outlaw pete" é o lugar onde bruce se sente em casa, a crônica sobre um personagem à margem, um "loser", um fora-da-lei mitológico de faroeste, um "born in the u.s.a." bastardo cuja fina ironia não é todo reagan nem todo bush nem todo junior que consegue captar.

acontece que o pária de bruce se chama pete, e só por isso a balada faz conexão imediata com outro disco da pesada lançado por springsteen há pouco tempo, o pancadão "we shall overcome - the seeger sessions", de 2006.

experimente somar "pete" com "seeger" e ganhe de presente pete seeger - aquele velho cantor folk, o compositor panfletário, o militante político exacerbado, de certo modo um equivalente ianque de nosso geraldo vandré.

seeger foi o herói de bruce em "we shall overcome", inteiramente dedicado a seus espantosos folks de militância político-musical. e pete é o anti-herói da sublime abertura do disco novo do discípulo, "working on a dream".

entre o pete daqui e o seeger de lá, há um interdito. a entrelinha se chama bob dylan - o judeu, o cigano, o pirata, o bandoleiro. um de que bruce springsteen seria xerox esmaecido, segundo muitos disseram quando surgiu, em 1973, e além.

bob e bruce têm muito a ver, é fato. pode-se dizer, sim, que a epopéia dos desvalidos de bruce foi decalcada da odisséia dos marginais do gênio dylan, um folk-panfletário-militante comparável ao precursor seeger, embora sob estratégias menos lineares e didáticas e mais, digamos, tropicalistas (um caetano das montanhas, um gil do gelo), ou melhor, barrocas.

se não faz mal a bob a mitologia de gatuno em torno de dylan, o mesmo não se pode dizer de um dos gatunados por ele, seeger, esse johnny alf do joão gilberto dos grandes lagos. fizesse o que fizesse, tenha feito o que tenha feito, seeger não é lembrado pela música que fez, mas antes como o cara que, enraivecido pela guitarrização do folk promovida pelo ex-discípulo, tentou desplugar a viola do ladrãozinho safado que alçava voo rumo ao mito ("oh, sara"...).

seeger estava mais para elis + vandré, passeata contra a guitarra elétrica..., mas as colunas sociais o retrataram mais como um "zelão", um sérgio ricardo folklore. compusesse a mais linda das canções, não adiantava, ia ser estigmatizado como o insano que desplugou a guitarra, o maluco que quebrou o violão - nem precisava ter as mãos extirpadas a facão como victor jara, o cabo decepado da electric guitar já estava de bom tamanho.

pois bruce springsteen sabe que não é assim, e não cansa de proclamar que pete seeger era o maioral. mesmo à margem, pete seeger era o maioral. a afinidade com os "perdedores" é o melhor que há dentro do "vencedor" springsteen, e é o que o faz glorificar deus no céu e seeger na terra (seeger é de 1919 e ainda está vivo, e se apresentou em dueto com bruce na posse do "companheiro" obama, o lula deles lá onde a esperança também tenta vencer o medo).


deve haver escondido atrás disso tudo algum desconforto de springsteen em relação a bob dylan (pete seeger deve estar lá, escondido, nalgum lugar de "não estou lá", o escorchante, maravilhoso filme de todd haynes sobre dylan). bob pode ter imitado todo mundo, tá na boa, mas quem quer ser conhecido como imitador de dylan, quem quer ser chico césar em 1995? bruce não quer.

há uma agulha aqui, ah, se há. bruce é bob, mas isso não interessa, isso você já leu na "caras", já sabe desde quando não tinha dentes - bruce quer que você descubra onde ele não é bob, onde vandré & elis não são caetano e jair rodrigues & elis não são gilberto gil (por favor, leia "carta capital" neste fim-de-semana para maiores -ou menores- "detalhes").

uma das mais belas canções de bruce ("working on a dream" tem outras candidatas, não é só "outlaw pete", não. é porradão, it's "life itself"...) termina em altíssimas regiões, depois que pete fora-da-lei pintou, bordou, barbarizou e assassinou. a canção termina e pete segue vagando, "evanescido além do horizonte", erasmo de algum roberto, "congelado no topo da montanha", o tolo na colina de zé ramalho da paraíba. mas vivo, vivo, vivo, irremediavelmente vivo, tão vivo quanto obama e osama.

p.s.: eu não consigo compreender por que, mas sempre que ouço bruce springsteen penso imediatamente em milton nascimento. por causa das work songs, das canções de trabalho (e de vagamundagem), do sal da terra, será?

terça-feira, fevereiro 10, 2009

clichê do clichê

eu nem conheço a pessoa que escreveu o release, o recibo, do disco "brasil afora", dos paralamas do sucesso. mas tem lá um trecho que, é incrível, sempre aparece e reaparece nos textos de divulgação dos discos. fala assim:

"'Brasil Afora' é um disco de verão. E um verão do Nordeste, daqueles em que o sol racha a cuca e deixa o chão tão quente que os pés não conseguem ficar parados".

depois tem mais, "'Aposte em Mim' é música para dançar a noite inteira. Então… let’s dance".

"os pés não conseguem ficar parados", "é música para dançar a noite inteira", sempre que eu leio esses "glichês" eu fico imaginando o cara, a menina, o bebê, a anciã, o ouvinte do disco dos paralamas, do lobão, da dona ivone lara, da lily allen ou do kanye west, sacolejando furiosamente, ensopado(a) de suor, frenético, os pés não conseguindo ficar parados. uma coisa dancin' days, discothèque, forró, funk, samba, electro, tecno, axé. e a ivete sangalo bem mandona no contracanto: "dançando!, dançando!, dançando!".

haja adrenalina (ou energy coke drink) pra tanto disco dançante!

p.s.: o disco em si, "brasil afora", teno ouvido e achado legal. pinta de ser o mais descontraído e o menos tenso deles em muitos e muitos e muitos anos, sabe? só não consegui dançar nenhuma vez, até agora...

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

chica chica boom chic

hoje é o dia em que carmen miranda completaria 100 anos, o que faz com que nestes dias a "ditadora risonha do samba" seja o assunto de todas as bocas.

[quer dizer, o mito joão gilberto, talvez levemente enciumado do mito carmen miranda, pulou à frente dela logo agora, e nestes dias muito se fala também sobre suas gravações caseiras de 1958 que caíram na rede. o que era ouro em pó na mão d'algum felizardo cheio de "propriedade intelectual" virou de repente poeira de areia, baratinha e abundante feito água da bica. a propósito, fenomenal que isso aconteça, e fenomenal a ira de não sei quais figuras - ele próprio, será? - contra o fato de esse "vazamento" virtual ter acontecido, bravo!, viva a celeuma! mas, cá entre nós, confesso certa preguiça pessoal desse assunto - decididamente não consigo ficar desesperado por ouvir cada novo - ou velho - suspiro do joão, como igualmente não poderia me dizer "emocionado" por lembrar que há exatamente cem anos nasceu a "ditadora risonha" da bossa, quero dizer, do samba.]

mas.

conversa vai, conversa vem, carmen fica sobrevoando os imaginários e de vez em quando sou chamado à luta - um texto meu sobre ela ser "o brasil em forma de mulher" saiu na mais nova edição da revista "mag!", do são paulo fashion week, logo menos eu colocarei esse bombom aqui; e, vergooooonha!, o espírito de dona carmen mandou chamar e estarei presente esta noite de segunda-feira, 9 de fevereiro, nas homenagens do programa televisivo de ronnie von a ela, cruzes.

mas.

eu não consigo chegar aonde quero, que é falar algo sobre a efeméride de hoje. na real, não estou com muita vontade de afirmar nada sobre carmen miranda, mas antes gostaria, isto sim, de fazer uma pergunta.

é o seguinte. a partir de 1940, quando se radicou nos estados desunidos da américa do norte, carmen passou a lançar discos pela gravadora decca (se estiver certo o "dicionário cravo albin de música", lançou pela decca 16 discos de 78 rpm, com duas músicas cada, entre 1940 e 1950; e morreu em 1955, o que significa que passou os cinco últimos anos de vida sem gravar nenhum disco - passou?).

e a minha pergunta, chego a ela até que enfim: eu nunca soube da existência de nenhum lp ou cd (ou mp3) que reunisse os "decca years" de carmen, alguém conhece?

ou, desdobrando uma pergunta em várias.

além daquelas cenas de tv em que carmen aparece toda hollywoodiana cantando "south american way", "bambo de bambu", "chica chica boom chic", "touradas em madri" e outras muitas, alguém sabe de algum baú discóide ou imaterial que contivesse aquelas 32 gravações?, alguém poderia esclarecer se isso existe?

alguma gravadora brasileira teria se manifestado, ou se manifestaria, sobre os anos estadunidenses da música da "falsa" baiana que nasceu em portugal, cresceu carioca e foi sepultada brasileira?

colocar em catálogo aquela obra tão falada e tão pouco ouvida não seria mais homenagem à nossa amada joana gilberta?

afinal, disseram que ela voltou americanizada, mas não ouviram?, nem quiseram saber?

e quanto ao carmo mirando, disseram que ele voltou south-american-bossa-novizado - voltou?

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

a indústria cinematográfica & o jornalismo (etc.)

do livro "o grande filme - dinheiro e poder em hollywood", de edward jay epstein, páginas 184 e 185 (*), sobre o processo a que os estúdios cinamtográfico submetem os espectadores para "conscientizá-los" da existência de seus filmes - e sobre a participação de mídia nesse processo, incluída aqui as formas de publicidade camuflada que às vezes chamamos de "jornalismo" (o que faz deste tópico um primo daquele que vai mais abaixo, sobre o agnaldo timóteo):

"A parte mais difícil do processo de conscientização geralmente envolve pouca publicidade paga, às vezes, nenhuma. Quando o filme entra em produção, o estúdio encarrega os estrategistas da publicidade da missão de obter divulgação gratuita para ele. O principal meio que utilizam para isso é plantar notas na mídia de entretenimento - como Entertainment Weekly, People, TV Guide e o canal E!, todos pertencentes às matrizes corporativas dos estúdios -, que enchem suas páginas ou horários na tevê com fofocas sobre as celebridades. 'É fácil criar publicidade em torno das estrelas', observou o executivo de um estúdio; 'difícil é chamar a atenção para a produção'. Como as estrelas muitas vezes figuram em filmes concorrentes no mesmo período - Julia Roberts, por exemplo, estrelou, em 2001, filmes produzidos pela Sony, pela Warner Bros. e pela DreamWorks -, não basta simplesmente divulgá-los; a publicidade deve estar diretamente ligada ao filme a ser lançado. Para conseguir essas notas, portanto, os repórteres da mídia de entretenimento têm de concordar em incluir as referências ao título ou às estrelas, de maneira a aumentar a consciência do público sobre o futuro lançamento (omitindo as referências a filmes concorrentes protagonizados pelos mesmos nomes).

Muitas revistas também pedem fotografias dos astros para estampar na capa. Os estúdios geralmente reservam as oportunidades de fotografá-los a revistas que aceitam suas condições quanto à escolha do momento de publicar as fotos e quanto ao conteúdo das matérias que as acompanham. Não raro, a equipe de divulgação examina antes as matérias para se certificar de que elas não contêm nenhum item, como a menção a filmes concorrentes, que possa atrapalhar a missão de conscientização. As publicações que aceitam essas condições são consideradas pelo estúdio 'parceiros cúmplices', conforme descrição de um executivo.

(...) Faz parte da rotina dos estúdios que toda a equipe e o elenco dos filmes assinem contratos de sigilo, que os obrigam a manter a confidencialidade. Enquanto isso, as histórias forjadas pelos divulgadores são sistematicamente plantadas nas revistas de fãs, nas agências de notícias, nas colunas de fofocas e outros meios escolhidos".

isso se referiria, a gente pode pensar, à mídia fofoqueira do tipo (para citar exemplos "nossos") "caras" ou o programa vespertino da sônia abrão (como se chama?). mas o livro escorrega, a partir da página 191, para a mídia e o jornalismo ditos "sérios", e imagino que aqui poderíamos pensar no programa global do jô soares, em jornalões sisudos ou (se posso extrapolar para a indústria musical) na relação digamos umbilical entre, por exemplo, mtv, "gugu" ou "faustão" e gravadoras ou operadoras telefônicas. "veja" só:

"A publicidade na tevê é usada também para patrocinar programas de entrevistas, como The Tonight Show with Jay Leno e o Late Show with David Letterman, que mostram clipes e entrevistam os astros de filmes recém-lançados. Essa exposição não comercial (????) é considerada particularmente valiosa para atrair adultos jovens. 'Letterman e Leno são, para nós, empurrões muito eficazes, especialmente entre o público adulto jovem', explicou um executivo da Viacom, 'por isso ficamos felizes em patrociná-los'. Do mesmo modo, os estúdios investem pesado em anúncios na MTV e outros canais semelhantes para estimulá-los a exibir vídeos do filme durante a semana de estréia".

e epstein chega, nas páginas 195 e 196, aos sisudos e reputados jornalões norte-americanos:

"Por fim, para dar suporte ao bombardeio, os estúdios investem pesado em anúncios no jornal pouco antes da estréia. Além dos locais e horários de exibição, esses anúncios geralmente trazem comentários de críticos e repórteres da mídia de entretenimento que os divulgadores selecionam de resenhas. Os maiores beneficiários desses anúncios são dois jornais: The New York Times, que em 2001 recebeu 156 milhões de dólares dos estúdios, e o Los Angeles Times, que recebeu 106 milhões. Embora a publicação de anúncios nesses jornais possa não atingir mais que uma pequena parcela do público-alvo, especialmente quando se trata de filmes voltados para os jovens, esses periódicos são importantes para Hollywood, por causa do prestígio que suas sessões de entretenimento de domingo podem conferir aos filmes. Como observou um executivo de marketing da Sony, eles 'não dão apenas visibilidade ao filme: é em Nova York e Los Angeles que vivem os astros e diretores'. Por essas razões, os estúdios muitas vezes se vêem obrigados, até por contrato, a anunciar nesses jornais e cooptar sua boa vontade. (...)

(o melhor trecho, agora...)

Para antecipar reportagens e análises críticas, os estúdios muitas vezes levam os repórteres de avião a excursões em hotéis ou lugares especialmente escolhidos, onde os atores e outras celebridades do filme lhes concedem breves entrevistas 'de elevador'. Antes da estréia, em 1996, da fantasia extraterrestre Independence Day, por exemplo, os divulgadores da Twentieth Century-Fox transportaram, de ônibus, mais de uma centena de jornalistas a Rachel, Nevada, onde fica a Área 51, na Highway 375 - lugar onde os militares americanos haviam conduzido um 'projeto ultra-secreto de estudo de alienígenas', segundo um boletim do estúdio. Tal projeto nunca existiu, na verdade, mas, como parte do 'evento jornalístico', os divulgadores conseguiram que o governador de Nevada, Bob Miller, consagrasse a Highway 375 como 'Rodovia dos Extraterrestres', onde os alienígenas encontrariam um porto seguro. O estúdio também inaugurou diante da imprensa um monumento destinado a servir de farol para guiar os alienígenas até Nevada. A viagem da imprensa pode ter sido absurda, mas foi também um sucesso, resultando em mais de uma centena de matérias na mídia antes do lançamento do filme".

(*) os grifos são meus.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

filme triste (que não me fez chorar)

do livro "o grande filme - dinheiro e poder em hollywood", de edward jay epstein, página 212 (*), sobre a "revolução do dvd" na indústria cinematográfica:

(e me diz se a gente já não assistiu a esse mesmo filme, com esse mesmíssimo enredo, apesar da linguagem mais modernex e da roupagem mais anos 2000?)

"No atual sistema, os filmes passam nos multiplex por algumas semanas apenas e são relançados, meses depois, nas videolocadoras. Em 2002, uma média de 50 milhões de americanos por semana - mais de duas vezes o público semanal dos cinemas - se dirigiu a uma das mais de 30 mil videolocadoras do país para alugar um filme, gastando cerca de 24 bilhões de dólares, aproximadamente quatro vezes o que gastaram na compra de ingressos para o cinema. (No exterior, a proporção é ainda maior.) Além disso, os vídeos hoje são vendidos em supermercados e outras lojas de varejo. [o poderoso-chefão de viacom, cbs, paramount, blockbuster e mtv, entre outros] Sumner Redstone descreveu essa situação como 'a bonança que salvou Hollywood da falência'.

Embora pouca gente conteste a avaliação de Redstone, no início, os grandes estúdios não viam os vídeos com bons olhos. Na verdade, quando o videocassete foi lançado, em meados da década de 1970, os estúdios, liderados por Lee Wasserman, da Universal, consideraram a inovação uma ameaça à freqüência dos cinemas, que caíra de 90 milhões, em 1948, para menos de 22 milhões em 1978. Preocupados com que os vídeos domésticos afastassem ainda mais o público potencial dos cinemas, os estúdios tentaram sufocar a nova mídia com litígios judiciais. Eles não tinham percebido ainda que o deslocamento do público dos cinemas para a exibição em casa era irreversível e que, portanto, seu futuro estava no entretenimento doméstico. Em 1979, a Fox vendeu os direitos de produção em vídeo do seu acervo por modestos 8 milhões de dólares a uma empresa chamada MagnaFilms (os quais teve depois de comprar de volta; a Columbia, após rejeitar uma proposta para criar uma divisão de vídeos, depois que seu presidente, Fay Vincent, comparou o negócio de vídeos com 'pornografia', cedeu à RCA os direitos de converter seu acervo a vídeos; a MGM vendeu esses mesmos direitos a Ted Turner; e a Disney se recusou a ceder seu acervo de longas-metragens animados para a produção de vídeos.

Não fosse pela ferrenha determinação de Akio Morita, da Sony, que enfrentou os estúdios nos tribunais americanos e venceu, o videocassete talvez não tivesse se alastrado pelos lares americanos e talvez hoje não existisse o maciço mercado de vídeos que sustenta os próprios estúdios que o tentaram eliminar".

(*) os grifos e itálicos são meus.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

pipoca ali, aqui, pipoca além

do livro "o grande filme - dinheiro e poder em hollywood", de edward jay epstein, páginas 199 e 200, sobre os cinemas multiplex que hoje dominam grandes circuitos de salas de exibição:

"Sua principal fonte de lucro não é a venda de ingressos ou publicidade nas telas, mas a venda de lanches. A pipoca (...) rende mais de 90% de lucro sobre cada dólar vendido. Além disso, deixa os consumidores com sede de refrigerante - outro produto com alta margem de lucro -, especialmente quando a pipoca está muito salgada. Como observou um executivo de cinema, o 'segredo' para uma cadeia de multiplexes bem-sucedida está naquela porção de sal acrescentada à pipoca.

Não é por acaso que a maioria dos cinemas é projetada para fazer que o público passe pela lanchonete ao se dirigir para o auditório. 'Nosso negócio se baseia na movimentação de pessoas', explicou um dono de cinema. 'Quanto mais pessoas conseguimos fazer passar pela pipoca, mais dinheiro ganhamos.' Ele descreveu o porta-copos montado em cada assento, que permite aos clientes descansar o refrigerante enquanto voltam ao balcão para buscar mais pipoca, como 'a inovação tecnológica mais importante desde a sonorização'".

terça-feira, fevereiro 03, 2009

agnaldo timóteo versus a imprensa

n'"o pasquim" 177, semana 21-27 de novembro de 1972, entrevista com agnaldo timóteo:

"MILLÔR - Mas de qualquer maneira você ficou com a impressão...

AGNALDO - Impressão, não, é verdade. Você sabe que tem muita gente na imprensa que toma grana.

MILLÔR - Eu não tenho nenhuma simpatia pela imprensa, não. Acho que boa parte da imprensa é isso mesmo.

AGNALDO - Infelizmente a gente não pode falar porque não tem jeito de provar. Mas tem muito nego tomador de grana, tem, porque tem um cara aí, que escreve pra jornal, que uma vez eu telefonei para uma boate com o nome dele, fui lá e apanhei 10 contos!

ZIRALDO - Quem? Quem?

AGNALDO - Eu não vou falar o nome. Mas que tem, tem... (...)

JULIO HUNGRIA - Você levou uma tremenda vaia, uma coisa assim, como foi isso? Foi no Som Livre?

AGNALDO - É o tal negócio que vocês são responsáveis, são os culpados. Porque se vocês - estou generalizando toda a imprensa - escrevessem que eu era sensacional, aqueles estúpidos, idiotas, acreditariam que eu sou sensacional, porque aqueles animais, boçais, acreditam em tudo que se escreve. Basta dizer que o cara é bom que os otários logo acreditam. (...) Então me vaiaram, mas não vaiaram o cantor Agnaldo Timóteo, mas a pessoa de Agnaldo Timóteo, porque a pessoa é mostrada a eles como cantor de categoria inferior.

JAGUAR - Agnaldo, e qual foi a sua reação à vaia?

AGNALDO - A primeira reação foi mandar todo mundo à p.q.p.! Mas como o programa era televisionado eu não poderia fazer aquilo. Fui lá pra trás, fiquei revoltado, chorei pra caramba! E deu vontade de matar um lá. Aí a Elis Regina veio e me levou pro palco outra vez e tal. E, o pior de tudo é que eu não cantei uma música do meu repertório, cantei uma música do Roberto Carlos. É isso aí.

(...) As pessoas analisam o nosso trabalho, às vezes nem ouvem, pelo título da música, ou pelo autor da música. Eles não gostam do autor e falam mal da gente. A Wanderléa, antes de pertencer à panela da imprensa, eles metiam o cacete nela, ela vivia entrando no pau. O Erasmo, coitado, esse aí eles pintavam com ele. Então o que acontece hoje: a Wanderléa grava um disco e todo mundo diz que está bom [nota do pedro: 1972 foi quando wanderléa foi contratada pela philips, pelo andré midani, e lançou o disco "maravilhosa"], porque ela conseguiu a penetração da imprensa. Quase sempre um grande número de jornalistas especializados não são honestos, são hipócritas e mentirosos".

duas questões aí:

a) aquela em que tenho sempre insistido, seria mesmo estética/artística/musical a discordância de "certos setores" com os artistas "populares"? no que diz respeito a agnaldo timóteo em 1972, a desavença era explícita e transparente, sem meias palavras. e era, ao que tudo indica, recíproca.

b) e se cotejássemos aquela entrevista do agnaldo, 36 anos atrás, com um comentário publicado hoje, 3 de fevereiro de 2009, por luis nassif (que, a propósito, também é músico), em contexto e tempo totalmente diferentes, ou totalmente iguais? repara só:

"A grande frente contra a ditadura ocultou a enorme dose de preconceito e de miopia existente em parte influente dessa elite - a que tem na grande mídia seu porta-voz por excelência.

As invectivas contra a Bolsa Família, contra os gastos sociais, a tentativa permanente de criminalização de todo movimento social, o preconceito contra toda forma de conhecimento não formal, a ascensão dessa direita inculta, truculenta e preconceituosa - reforçando os preconceitos da parte inculta e truculenta da esquerda - torna esse caminho difícil".

pois todo mundo sabe que agnaldo timóteo era preconceituoso e ignorante (e truculento) - tentando se redimir de tomates tacados por ele em caetanos, chicos, jobins e quetais, o próprio agnaldo afirma isso em bilhete escrito em 2008 e publicado como apêndice à entrevista reproduzida na nova edição do livro "o som do pasquim".

mas e quanto ao preconceito, à ignorância e à truculência d'"o pasquim" de 1972, do jornalismo de 2009, "dessa elite" a que se refere o comentário de nassif? por que tanto tabu, tanto pejo, tanto constrangimento, tanta resistência, tanta atrofia em apontar a luz do reflexo do espelho para o outro lado da moeda? pimenta no olho alheio é ki-suco?