quinta-feira, fevereiro 28, 2008

meu samba encabulado

o tempo anda curto, apertado, nem tenho conseguido parar para escrever algo elaborado cá neste valioso e querido espaço.

ainda na correria, tentemos um paliativo, então. primeiro, segue aí abaixo texto publicado na "carta capital" 484 (27 de fevereiro de 2008), com novidades e memórias sobre cristina buarque.

o relato não se esgotava na curta reportagem, longe disso, e agora tentamos fazer os dutos vazarem para o www.cartacapital.com.br, onde foi inserida, em três partes, a íntegra da entrevista com a (grande, embora discretíssima) artista. os links respectivos aparecem na seqüência, na beiradinha final do tópico. e, como diria aquela loura que foi "famosa" no século passado, a gente volta já, já.


A GARIMPEIRA SECRETA

"Às vezes quero parar, não é uma coisa que eu goste tanto de fazer." A autora da frase é Cristina Buarque, 57 anos, e se refere ao ofício que ela abraça desde os 16 anos de idade, o de cantora. "De show, tenho pavor. Gosto muito de gravar, de estúdio, ensaio, amizade com músicos. Mas daquele negócio de público não gosto, nunca gostei. Gosto de fazer coro, agora estou no de Paulinho da Viola, isso eu adoro. Você fica lá atrás, é mais tranqüilo, menos responsabilidade."

Sem presença ostensiva ou peso comercial na música brasileira, Cristina tem sido uma trabalhadora incansável do samba, ao menos desde 1974, quando lançou um primeiro álbum solo. E, embora invariavelmente discreta, anda em plena atividade, como no álbum duplo O Samba Informal de Mauro Duarte (Deckdisc), que divide com o grupo Samba de Fato, às vezes quase como coadjuvante, mas sempre com elegância e precisão.

"Eu até hoje praticamente não fiz sucesso, né? Insisto, meio contra a vontade, mas não sou assim um noooome... Miúcha tem um pouco mais de nome", ri, citando outra das irmãs cantoras e deixando de banda o mano mais famoso, Chico Buarque. Foi em dueto com ele que fez uma das primeiras gravações, de Sem Fantasia, em 1968. Mas a afinidade com o samba ela credita a outro irmão mais velho, Sergito. "Escutava muito os discos dele, de Aracy de Almeida, Mario Reis, Cyro Monteiro. Desde nova tinha preferência por esse tipo de velharia", ri.

Lembra a primeira gravação, em 1967, num disco em homenagem ao sambista paulista Paulo Vanzolini. "Ele era muito amigo dos meus pais, então minha mãe não reclamou muito. Ela tinha muito medo dessa coisa de ser artista, não gostava, não. Ainda mais eu, que era muito nova, estava estudando, sempre fui meio vagabunda na escola."

Ora, mas não havia, desde então, um vencedor de festival de música dentro de casa? "É, ele já fazia bastante sucesso. Mas sabe como é, é homem, né?", ri mais uma vez. "Estudei, fiz o que mamãe queria, entrei na faculdade de fonoaudiologia. Mas não terminei. Não foi nem por causa de música, eu já estava com muito filho. Na época eram dois, agora são cinco."

Alternou os papéis de mãe e cantora, entre 1974 e 1985, com cinco discos tão pouco difundidos quanto memoráveis e, hoje, influentes entre artistas mais jovens, como a discípula Teresa Cristina. "Ah, Teresa é amiga da gente", minimiza. "Ela às vezes faz um negócio legal, mas não é tudo", avalia, qual mãe protetora e exigente.

O rótulo de pesquisadora, às vezes apenso a ela pela constância com que garimpa e revela temas esquecidos nos baús do samba, é outro que não lhe agrada. "Não gosto muito, porque conheço vários pesquisadores, é um trabalho sério o que fazem. O meu é muito superficial." Tampouco sambista ela se considera: "Sou meio encabulada para ser sambista. Sambista tem que sambar, é uma coisa mais... completa, talvez. Mas eu canto samba", ri por último, do alto da autoridade modesta de mãe, madrinha, cantora, descobridora e redescobridora de sambas.

entrevista, parte 1

entrevista, parte 2

entrevista, parte 3

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

tropa de elite

(quase) nada a ver com aquele "acidente" que aconteceu lá em berlim, tá?, mas é que há tempos eu andava querendo voltar a "falar" sobre meus estimados volks desde que capturei por aí estas três imagens a mais.

dos três pimpolhos abaixo, o único em que tive oportunidade de passear foi o primeiro (obrigado, taís!). sobre o segundo, pfff, acho que já era, você sabe, né? no terceiro, acho melhor não passear.




mas taí, tropa d'elite ou não d'elite, por mais camuflado, maquiado ou misturado na paisagem que possa estar, não tem jeito. é nóis, somos nós, tá dentro de nós e de nós ninguém tira, nem a torniquete.

sábado, fevereiro 16, 2008

osso duro de roer

olha, não sei se vai haver barulheira reativa à direita (ou vai haver silêncio ensurdecedor, será?), mas eu fico muito, muito, muito feliz com esta tremenda notícia aqui, ó:

"'Tropa de Elite' vence Urso de Ouro em Berlim
Da Redação

O filme brasileiro 'Tropa de Elite', de José Padilha, foi o vencedor do Urso de Ouro de Melhor Filme em Berlim. O Urso de Prata ficou com o documentário sobre tortura em em Abu Ghraib 'Standard Operating Procedure', do norte-americano Errol Morris.

'É difícil expressar sentimientos em qualquer língua. Costa-Gavras é um herói para todos na América Latina, por todos os filmes que fez', disse o diretor brasileiro ao receber o prêmio das mãos do presidente do júri, o diretor franco-grego Constantin Costa-Gavras.

Apesar da recepção majoritariamente negativa que teve na mídia internacional -a produção brasileira chegou a ser chamada de 'fascista' pela revista americana 'Variety'-, 'Tropa de Elite' desbancou os favoritos 'Sangue Negro', de Paul Thomas Anderson, e a comédia 'Happy-Go-Lucky', de Mike Leigh (...)".

e só fazendo uma ressalva ao texto escrito ali pelo uol: pelo que me conste a "mídia internacional" que tachou "tropa de elite" de fascista foi a americana, quero dizer, a norte-americana, ou melhor, a estadunidense [p.s.: ou eu tô falando bobagem?, a imprensa européia também caiu de pau?, alguém sabe?]. aquela mesma que a gente dificilmente vê tachar de "fascistas", com a mesma desenvoltura, filmes de rambo, filmes (ou governos) de schwarzenegger, guerras no iraque (p.s.: e kill-bills - já reparou a chacina de latinos e orientais que costumam ser os filmes do darling tarantino?) e tal e coisa.

por sinal, o filme que ficou em segundo lugar, ao que dizem, fala sobre tortura em abu ghraib. o vencedor fala sobre tortura no brasil, ou melhor, na américa do sul, quero dizer, na américa latina, digo, na américa, upa, no mundo. aqui, neste "depósito" de "marginais" (ex-)escondido nos "porões" da "américa". não sei se o filme de abu ghraib tem sido "denunciado" como fascista pela "mídia internacional", por quem costuma aceitar, legitimar e financiar silenciosamente torturas e fascismos a granel. do filme que ficou em primeiro lugar, eu sei.

cê tá entendendo?

mas, só para ser ainda mais explícito: meus parabéns a este brasil que quer se ver cada vez mais e se mostrar ao outro cada vez mais. e não àquele brasil sempre sufocado em fumaça, névoa e lacerdismo (que, graças aos orixás, cada vez mais parece encolher). parabéns para o padilha, para tu, para mim, para nós.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

as sete vidas de elza

em cartaz neste exato momento, na "carta capital" e/ou no site da revista aqui neste cybermundo paralelo (ou perpendicular?, transverso?):


AS SETE VIDAS DA SAMBISTA
Elza Soares supera crises e vai ao cinema como crooner de gafieira

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Uma menina mora dentro da Elza Soares que, aos 70 anos, sobe ao palco paulistano do Clube Piratininga na pele de uma crooner de gafieira dedicada a entreter o público predominantemente maduro e idoso que rodopia pelo salão. O baile tem a intenção de apresentar o filme Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, que estréia dia 21 de março e é protagonizado por personagens de gafieira vividos sem maquiagem nem glamour global por Tônia Carrero, Leonardo Villar e Betty Faria.

Ao lado do músico mineiro Marku Ribas, Elza interpreta a cantora que anima o baile. E traduz, no dizer da diretora, "a alma do filme", ao surgir cantando a plenos pulmões os versos de Não Deixe o Samba Morrer. No papel de Ana, Elza defronta-se com a menina que foi nos anos 50, quando era crooner de grupos como a Orquestra Tabajara de Severino Araújo em gafieiras como Estudantina e Danúbio Azul.

"Olha, acho que passei por todas as gafieiras que existiram no Rio de Janeiro", ela conta, no minúsculo camarim do Piratininga, após o show. "Não gosto de passado, mas esse foi o início da minha carreira. Não temos mais isso de as pessoas irem para o baile por amor. Virou michê de baile, muitos caras cobram para dançar com as damas. Não sei se o amor que vai volta, mas sou do tempo em que existia amor. As pessoas dançavam porque amavam o baile, a orquestra, os cantores."

Por coincidência, uma das canções selecionadas pelo produtor musical Eduardo BiD para o filme, antes mesmo que a presença de Elza, traz recordações profundas à cantora. É Lama, de versos nostálgicos e amargos como se o meu passado foi lama/ hoje quem me difama/ viveu na lama também, ou se eu errei, se eu pequei/ pouco importa/ se aos teus olhos estou morta/ pra mim morreste também.

"Foi a primeira música que cantei, no programa do Ary Barroso", ela conta. Em seguida, se retrai e fecha o baú de lembranças: "Gozado, eu passei uma borracha no passado. O presente é sempre, passado é passado. Como digo no meu site, my name is now. Eu sou o agora".

Foi com Lama que a adolescente Elza se apresentou, em 1953, no programa do autor de Aquarela do Brasil na Rádio Tupi, Calouros em Desfile. Segundo relata José Louzeiro no livro Elza Soares – Cantando para Não Enlouquecer (Globo, 1997), Ary, espantado com a aparência da menina, perguntou de que planeta ela vinha. "Do planeta fome", ela respondeu.

O "planeta fome" chamava-se Moça Bonita, depois Vila Vintém, uma das primeiras favelas do Rio de Janeiro. O pai trabalhava em pedreira, a mãe era lavadeira, o primeiro marido (com quem se casou, obrigada, aos 12 anos) vivia entre o desemprego e o trabalho informal. Aos 20 anos, Elza havia tido cinco filhos. Um morreu de fome quando ela tinha 15 anos, outro foi doado quando tinha 19. Mãe e menina, trabalhou em hospital psiquiátrico e chegou a pedir comida e dinheiro pelas ruas.

A virada começou no auditório de Ary Barroso, mas foi paulatina. Só foi consolidar presença na música a partir de 1959, quando fez a primeira gravação, Se Acaso Você Chegasse, de Lupicinio Rodrigues. O Brasil vivia o advento da bossa nova e a moda foi utilizada pela Odeon para impulsionar a cantora. O rótulo "a bossa negra" ilustrou os dois primeiros LPs.

Elza nada tinha a ver com a revolução de maciez vocal e musical liderada por João Gilberto e Tom Jobim, mas não deixava de promover, por caminhos mais ríspidos, uma fusão entre samba e jazz comparável àquela dos papas da bossa branca. Desde o início, desafiou os purismos do samba dito "de raiz" e fundiu o ambiente dos morros cariocas a standards como Mack the Knife (de Brecht) e In the Mood (ou Edmundo, em português).

O cruzamento de gêneros tem sido a tônica da obra da artista há 50 anos, como atesta o jovem produtor paulistano Arthur Joly, que em 2003 conduziu a adesão da artista ao funk carioca e à música eletrônica, em Vivo Sonhando [p.s.: aqui cometi um erro, ato falho ou o que seja: o nome do disco é vivo feliz, ô, anta!]. "Ela é uma pessoa intensa, ansiosa, às vezes parece uma criança", diz Joly. "Sou quatro décadas mais novo, mas posso dizer que ela, em alguns momentos, fazia eu me sentir velho. É aberta a novas experiências, sabe fugir do comum, sabe querer ser diferente."

É recorrente a relação com os mais jovens. No Piratininga, canta com o olho atento e respeitoso à orientação do produtor BiD, postado na platéia. Há sete anos vive com o ator Anderson Lugão, de 30 anos. Há pouco, convenceu-o a se tornar cantor, num disco que ela produzirá. E aborda de modo crítico a profissão anterior do marido: "Sou atriz, Grande Otelo foi meu professor (estreou no teatro de revista, em 1955, ao lado dele). Mas a música é bem melhor, porque para negro, em tevê, só tem chibata. Não quero fazer papel de cozinheira, nem levar chibatada".

Anderson, ela diz, foi presença crucial em 2007, um ano especialmente difícil. Em março, à véspera da gravação marcada do CD e DVD Beba-Me, foi hospitalizada com diverticulite. Conta Lugão: "Ela disse 'aqui não fico, tenho de gravar DVD'. O médico disse 'ou você vai, grava e morre, ou fica aqui e vive', aí ela ficou".

O trabalho, bancado pela Biscoito Fino e pelo Canal Brasil, concretizou-se com Elza ainda convalescente, com uma bolsa de colostomia presa ao corpo. Elza canta Volta por Cima, Dura na Queda, A Carne (a carne mais barata do mercado/ é a carne negra) e o Rap da Felicidade (eu só quero é ser feliz/ andar tranqüilamente na favela em que nasci) com expressão de dor, apoiada numa cadeira como suposto objeto de cena. Após a gravação, passou por nova hospitalização e outra cirurgia.

"Eu não queria fazer, por mim não teria feito. Mas fiz, porque a pessoa que queria que fizesse pensava que eu fosse morrer", diz. Coordenador do projeto pela Biscoito Fino, Martinho Filho define Elza como "um norte para o samba" e conta o episódio sob outro prisma: "Estávamos prontos a adiar, mas ela queria gravar".

Agora, o ritmo volta a se acelerar. No dia seguinte ao show de lançamento do CD de Chega de Saudade, partiu para o Recife, onde abriu o carnaval com Naná Vasconcelos. Diante dos altos e baixos, ela simula indiferença. Eles são componentes inseparáveis de sua vida e obra, mesmo após a superação da origem pobre.

Novas tempestades vieram logo após o estouro como cantora, quando iniciou rumoroso romance com o mítico jogador de futebol Garrincha (1933-1983), então casado. Em 1963, gravou Eu Sou a Outra e virou alvo da ira da imprensa, como suposta "destruidora de lares".

Ficou com Garrincha entre 1962 e 1978, quando enfrentou repetidos períodos de ostracismo e o alcoolismo do marido. O filho Garrinchinha morreu num acidente em 1986, aos 9 anos, na volta de uma viagem para conhecer a terra natal do pai. Passou a cantar Meu Guri, de Chico Buarque, outra das muitas canções que em sua voz soam autobiográficas.

Chega de Saudade, em que atua quase como figurante, parece se incorporar à autobiografia involuntária de Elza. "Ela é uma mulher muito sofisticada, que parece nem ter noção de quem é. É tão simples, tão humilde no trabalho, não dá para acreditar que essa mulher, com essa voz, possa se comportar assim", elogia Laís.

A cineasta registra o rosto transformado por sofrimentos e cirurgias plásticas em close, quase entrando pela garganta da cantora, enquanto versos como antes de me despedir/ deixo ao sambista mais novo/ o meu pedido final:/ não deixe o samba morrer/ não deixe o samba acabar emolduram o espírito conturbado do filme, e da própria Elza.