quarta-feira, agosto 31, 2011

FAROFAFÁ

Como sabe todo mundo que entrou aqui em algum momento nos últimos sete meses, este blog está desativado.

Nosso endereço e local de encontro agora é Farofafá, www.farofafa.com.br, FAROFAFÁ.

Seja bem-vindo, entre sem bater!

sexta-feira, janeiro 14, 2011

chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor

Vamos lá, que a turma do Twitter inspirou o @pdralex a pensar sobre A Grande Família. Assim falou Carlinhos Brown, neste trecho da entrevista exteeeeeeensa publicada pelo iG (aqui, aqui e aqui):

PAS - Quem era italiano na sua família? Branco?

CB - Meu avô , Bertolino Gonçalves, pai da minha mãe, Madalena. Branco de origem italiana-libanesa. Aos 2 anos de idade o pai faleceu, e um dos tios doou pra ele fazendas de laranjas em Cruz das Almas, ali no Recôncavo, perto de Caetano, Santo Amaro etc. etc. Ele sempre falava: “Sumiram com o baú”. Perdeu o interesse total por riqueza. Foi acudido por um grande empreendedor da Bahia, um homem com visões sociais junto aos Ahmed, aos Amado. Foi o que criou o Mercado do Ouro, o lugar onde hoje estou tentando organizar o Museu do Ritmo.

PAS - Esse Amado é o mesmo de Jorge Amado?

CB - Não, é a família dos Ahmed, que viraram Amado, árabes. Meu avô passou a cuidar da Barra, onde eu faço carnaval. Não quis mais ficar lá, conheceu essa mulher de Irará, terra de Tom Zé, que é minha avó Damiana Costa Santos. O pessoal falava que era Costa Santos Valente, porque tem parentesco com Assis Valente (autor de marchinhas carnavalescas lançadas por Carmen Miranda). Era negra, mas meu avô dizia: “Não é negra, não, é Cabo Verde. Não pelo lugar, mas porque Cabo Verde está muito associado a quem tem cabelo liso. Ela tinha cara de nigeriana, ou angolana, do narizão, do olho puxado. Mas não tinha o cabelo duro, era mais ondulado, fino. Eles se conheceram e foram morar no bairro do Candeal. Tiveram duas filhas, Madalena e Alice, que é minha tia, deficiente visual.

PAS - Madalena é Magalenha?

CB - Ah, mas pode ter certeza que tá próximo. Magalenha é a maga que sabe botar fogo na lenha. É ela, minha mãe. Madalena, aos 14 anos, conheceu Renato Teixeira de Freitas, meu pai. E isso me botou numa história de bastardia que até hoje busco compreensão. Renato Teixeira de Freitas já vinha desse histórico bastardo dos Teixeira de Freitas na Bahia. Uma das primeiras coisas que me lembro é que nego dizia a minha mãe: “Mas você, de família tão rica, batendo nessa barrela”. Minha mãe era lavadeira, eu sempre ouvia esse papo e não entendia. Fiquei afoito quando descobri que meu bisavô paterno era um dos maiores juristas do país. Ia aos Barris levar roupa e dizia, insistentemente: “Quero falar com seu João, ele é meu bisavô”. “Vá, menino, sai daqui”. Aí eu começava a conversar com a estátua dele, que ficava do lado de fora, depois jogaram lá pra dentro. E tinha o lado português de minha avó Gertrudes, que foi casada com Renato Teixeira de Freitas.

PAS - Seu pai é branco?

CB - De origem portuguesa, mas não é tão branco assim. Vamos dizer cigano, libanês. Salvador é a cidade mais muçulmana do Brasil. O terreiro mistura muito com a linguagem muçulmana.

PAS - O que não entrou na sua descrição foi o lado indígena, não tem também?

CB - Tem os índios, tem. Tem minha avó Damiana. Essa coisa da preta com cabelo liso eu achava que era um pouco a coisa do índio. Hoje o alto magistrado quer condecorar alguém da família e me convidou. Quando falo desse assunto, meu pai foge, não quer saber, “não, essa história não, isso é passado”. Teve uma ruptura. Eu, se fizesse um livro, gostaria de chamar Bastardia, porque é totalmente, uma história de escravidão, do bastardo. Sempre me tive como serviçal, mas serviçal de uma dinastia, não de pessoas à-toa. Nunca me vi como uma pessoa à-toa, de história dolorosa. Não me vejo chorando no Faustão ou no Gugu, “passou fome?”, “passei”, “e agora?”, “tenho um jatinho” (ri).

PAS - Na sua família então há passado de riqueza dos dois lados.

CB - Exatamente. Não existe mal-nascer, nem bem-nascer. Existem situações sociais que, se forem reparadas na essência, a gente vai sempre construir uma sociedade melhor. Eu não sou diferente do Marcola ou do Beira-Mar. A diferença é que eu estou do lado de fora. Eles podem ser o que for, mas são reconhecidos como líderes, ilegais, mas são. O que eu não me conformo é que eu não sei quem de nós três está certo. Se tenho tentado por um lado que é visto como a legalidade entre aspas, onde estão as chances? Essas chances foram estacionadas ou sequestradas pra que situação? A sociedade brasileira quer, mas ao mesmo tempo tem medo de perder o cabide. Tem um pensamento assim: se nós tivermos uma sociedade de baixo poder aquisitivo escolarizada, educada, quem vai cozinhar pra mim?, quem vai ser a babá? Lá fora você não acha babá, babá lá é baby-sitter e custa 5 mil dólares. Aqui muitas vezes nego dá a comida pra pessoa viver. Sabe o que a gente quer? Uma franchising importante de acarajé pra concorrer com McDonald’s. Como os italianos conseguiram espalhar a pizza no mundo inteiro e a gente tem a camada comida baiana que o mundo inteiro gosta e a gente não consegue estender? É uma riqueza que a gente tem. Dia 2 de fevereiro, todos os filhos de Iemanjá vão agradecer no mar. O cara pega a câmera, a televisão, “é dia de Iemanjá”, “os pobres”, “os negros”… Filósofo e historiador vai, suga, vira um livro de fotografia. E a gente não vê nada, continua ali. O que nós estamos pedindo é que nos deem a possibilidade de reescrever a nossa história por nós mesmos. Isso não vai instalar nenhum separatismo, ao contrário, vai enriquecer o caldo cultural do Brasil, do mesmo jeito que nós, negros, afrodescendentes, somos exímios consumidores de pizza. Não me queixo em sair daqui, mas não saí porque quis. Saio porque não estava achando trabalho, e continuo não achando. Tenho consciência de que tenho carisma, mas é também um tipo de personagem que, às vezes penso, por que é tão incomodativo, o que incomoda tanto? É o fato de ser rápido na percussão?

PAS - Não é racismo?

CB - Então talvez esse seja o desafio. E a gente vai vencer isso dentro da revolução pela doçura. Quando boto aquele cocar o pessoal diz: “Cocar de índio”. É uma das piores críticas possíveis. Aquele cocar não é de índio, aquele cocar é meu. Fui chamado para usar por um candomblé de caboclo, pelos índios. Fizeram um primeiro, e disseram: “Esse é seu, mas você vai descobrir o seu cocar”. E eu descobri, e fiz um cocar que não tem no histórico do índio brasileiro. Afasta-se o negro, o índio, o japonês, e eles terminam buscando uma identidade que encontram na internet, no discurso de um país que ainda não se curou de uma guerra ou de um problema étnico interno. O cara começa ouvir tal banda, vai pregando aquilo no ouvido da pessoa. Há que compreender o poder da música, você pode não entender a língua, mas os sentimentos todos estarão lá. Por que todo mundo tem medo de ver um careca tatuado e vestido de preto? Skinhead, em inglês, cabelo cortado, não é isso? Mas eles começaram a ganhar fama de violentos porque foram pessoas também muito machucadas na vida. Talvez o que nós precisamos ver é que as mágoas são águas más, ou más águas.

PAS - Isso é um verso de música?

CB - Não, tô falando assim agora. Não sei, eu falei aí…

PAS - Isso é letra de música.

CB - E água só precisa ser limpa, e tem um processo natural de purificação.

PAS - Menos a do rio Tietê…

CB - Menos a do rio Tietê (ri). Mas é possível, está muito mais no cuidado. São Paulo deu um exemplo de sociedade civil organizada, parecia Antônio Conselheiro, Zapata ou Padre Cícero. Foi aquele prédio que era da Camargo Corrêa, uma estrutura e organização que você não encontra nos prédios de qualquer pessoa formada por administração. É a mulher que conquistou emprego, mas foi posta pra rua, tinha que cuidar do filho que estava na rua e não podia trabalhar. O que aquela criança vai crescer? Um dia ele vai assaltar a Camargo Corrêa inteira, com todo o respeito aos Camargo.

PAS - O skinhead só é violento por vingança?

CB - Exatamente, os roqueiros são figuras doces. Que motor educacional nós estamos querendo promover? É o pobre que não sabe ler ou uma classe dominante que se mal-educou? A paz não virá do sangue. Não virá, não virá.

quinta-feira, janeiro 06, 2011

quem parte leva a saudade de alguém que fica chorando de dor...

Dos nossos amores, famílias, amigos, empregos etc., sabemos que despedida é igual a fim, que fim é igual a tristeza, tristeza é igual a lágrima, lágrima é igual a sofrimento, sofrimento é igual a perda e perda é igual a fim.

Pela primeira vez na história pública deste país (ou no mínimo desde que me conheço por gente), temos agora de aprender a elaborar uma despedida alegre.

Lula (nosso amor, nossa família, nosso pai, nosso chapa, nosso patrão) foi embora. E este, pasmemos!, é um acontecimento mais feliz do que triste, sofrido, melodramático etc. É lacrimoso, mas não exatamente por conta de perda, dano, briga ou ruptura.

É uma perda que não é uma perda que não é um fim que (não) é sofrimento que é lágrima que (não) é tristeza que (não) é alegria que (não) é um final (in)feliz.

A gente, queridas brasileiros e queridos brasileiras, está amadurecendo mil anos nesta virada de 2010 para 2011. Dói reconhecer, mas nunca fomos tão felizes (na história deste país).

terça-feira, janeiro 04, 2011

sair nu em capa de revista

Pra quem ainda não quis entender: a posse de uma mulher na presidência do Brasil melhora, valoriza e emancipa não apenas as mulheres brasileiras, mas toda a sociedade brasileira, queridas brasileiras e queridos brasileiros.

A emancipação das mulheres brasileiras melhora os homens brasileiros.

A emancipação feminina É a emancipação masculina.

Se vocês, mulheres, estiverem beeeeeem emancipadas, quem sabe nós, homens, possamos confessar que, sim, também achamos o sexo chato, burocrático e obrigatório de vez em quando. Que, sim, por vezes também temos de disfarçar orgasmos (e que, não, ejaculações não são necessariamente sinônimos de orgasmos). Tipo assim.

Quem sabe um dia, com o apoio de vocês, mulheres, nós, homens, tomamos coragem e dizemos umas coisas dessas... Ops, escapou, eu já disse?...

Acho que disse, ai que medo, e este é apenas um (re)começo. Nós, homens, ainda podemos dizer (e fazer) uma porção de coisas. Mas (mas-ismo?) vocês, mulheres, vão ter que querer nos ouvir (diz que vocês gostam de escutar, é vero mesmo?).

Ou, quer saber?, mesmo que vocês não queiram escutar, nós queremos falar (queremos?). Há muito tempo eu vivi calado, mas agora resolvi falar. Não vou ficar (calado), não, não, não, não, não!

segunda-feira, janeiro 03, 2011

pegar alguém pulando o muro

Sabe qual foi o trecho do discurso de Dilma Vana em que não acreditei, por mais que ela o repetisse (e ela repetiu, oxe, como repetiu)? Foi aquele trecho sobre não guardar ressentimentos ou rancores.

Com sua licença, sra. presidenta, eu não acredito que exista uma pessoa na face do planeta Terra (planeta Água, planeta Mágoa, planeta Mágua - alô, sr. Carlinhos Brown!) que não acumule ao longo da vida rancores, ressentimentos, securas, mágoas, águas e máguas.

Prefiro ficar com minha amiga Madeleine (mãe da gata Evita), para quem esse trecho do discurso da Vana é um dardinho envenenadinho endereçado com mira fina aos alvos (humanos) de seus ressentimentos e rancores.

Mas a gente sabe: a Vana saberá, como Silva soube, fermentar, destilar, depurar, TRANSformar e recompor seus re-sentimentos. Pois os ressentimentos de Luiz Inácio recolheram mesmo quantos milhões de almas da miséria absoluta (hein, Soninha?, #medo #coincidência #rancor #valetudo)? Como já compuseram Alice Ruiz e Itamar Assumpção, a cada milágrimas sai um milagre (e mil nem são tantas assim, em se tratando de lágrimas).

E tu, querida brasileira, querido brasileiro, já fez limonada com seus rancores hoje?

bionicar o corpo inteiro

Para quem teve a cara-de-pau de retrucar o imenso simbolismo guardado na continência batida pelos militares para Dilma Rousseff: se as Forças Armadas de hoje fossem 100% diferentes das Forças Armadas de 1964, 1968 ou 1974, elas (el"a"s, as armas, as frágeis-forças) já teriam pedido desculpas desassombradas pelo que fizeram em 1980, em 1975, em 1974, em 1968, em 1964...

Do mesmo modo, já teriam pedido desculpas os banqueiros, donos de jornais e redes de TV, industriais e outros presidentes de instituições "respeitáveis" que guiaram a (gigantesca) parte civil da ditaDURA civil-militar brasileira de 1964-1984.

Há muitos esqueletos ainda escondidos em nossos armários, nem vem que não tem ventriloquar papagaísmos-de-pirata do globismo ditabrando (im)popular brasileiro.

Mantra para para 2011: pensa com a tua própria cabeça, faz com teus próprios braços, querido sem ouro, querida sem hora.

pixar a vida de artista

E a propensão em apontar o dedo para o quintal-espelho do vizinho, que sai da toca bem obsessivo-compulsiva nestas primeiras horas de 2011?

Roberto Carlos DEVE assumir sua deficiência física, proclama Elio Gaspari. Dilma "pecou" (alguém sempre "peca", nessas circunstâncias) por não defender os gays em seus discursos, incomodam-se os próprios gays.

Incomodados pela performance da recém-presidenta, adolescentes Brasil afora desejam um franco-atirador para interromper em pleno voo o curso recém-iniciado de Dilma Vana (misoginia explícita, não mais concentrada em Marcela, mas em Dilma nela-em-si-propriamente-dita - adolescentes são piores, ou simplesmente mais sinceros, que adultos?).

Ou seja, todos cobram do OUTRO o que o OUTRO não fez.

E o que Elio Gaspari, como Roberto Carlos, poderia ter feito (e assumido), mas nunca fez (nem assumiu)?

Quantos gays (e bis, e heteros etc.) resmungam de abandono por parte de Dilma, de dentro de seus próprios vários armários? Nossos patrões, chefes, pais e padres sabem, por nossas próprias bocas, que somos gays?

E os pais que "educaram" seus filhos a desejar o assassinato da presidenta? Empunhariam o fuzil para consumá-lo? Ou, melhor, teriam CORAGEM de apontar uma arma para suas próprias têmporas?

OK, dirá você, estou aqui resmungando, MAS eu mesmo vivo apontando os dedões para, por exemplo, os jornalistas e a nossa "grande" mídia. Sim, tem razão, EU sou igual a VOCÊ. Mas...

MAS eu SOU jornalista, e há alguns anos não faço outra coisa senão espinafrar meus pares (ou seja, a mim mesmo, mesmo quando não uso a primeira pessoal singular explícita) e (portanto) tentar espanar poeira no meu próprio terreiro. Foi-se o tempo em que minha principal diversão ("diversão"?) era pixar a vida de artista.

Eu não precisava ir ao quintal-espelho do vizinho (quintal-espelho abandonado é lâmina baldia, sra. japonesa Yoko). Meu próprio quintal estava cheio de quiçaça, entulho e carrapato, e eu fingia (para mim mesmo) que não percebia.

domingo, janeiro 02, 2011

ser o dono da verdade

Eu fico impressionado (pessimamente impressionado) com a epidemia de jornalismo zora yonara nesta época do ano. É um tal de fazer vidência travestida de noticiário que eu vou te contar, os olhos já não podem ver.

Exemplos de jornalismo yonara, horóscopo transvestido de um pinguinho de curiosidade sobre a "vida real"? "Dilma terá um ano difícil em 2011", dãããã (como diria aquela outra pirata-cigana, vidente, taróloga, cartomante, quiroprática de meia-tigela).

Jornalismo oscar quiroga com viés autoritário? "Dilma deve fazer isto", "Dilma deve dizer aquilo", "o Brasil deve seguir tal rumo", matraqueiam os professores-raimundos crossdresseados de jornalistas-zumbis.

Reportagem ancorada no mas-ismo, tem? Tem. "Lula tirou 2,3 pessoas da pobreza, MAS esgotos continuam a céu aberto." "Brasil melhora na era Lula, MAS nem tanto." "Cientistas descobrem a cura da aids, MAS ainda há infectados." "Posse de Dilma afasta desencanto pós-mensalão, MAS fica longe da comoção de 2002" (a-cuma???) "Cristiana Lobo, Ricardo Noblat, Monica Waldvogel & Reinaldo Azevedo, Miriam Leitão, Marcelo Tas nunca foram estadistas nem fizeram discurso, MAS têm receita para tudo e sabem detectar imediatamente quando 'veem' um discurso de não-estadista (freqüentemente, antes mesmo de o discurso ser proferido)".

"Jornalista da Globo dá aulas de moralidade, ética e costumes políticos, MAS recebe auxílio-salário do Banco do Brasil", tem? Não tem, não, senhor, sem ouro, sem hora.

Ou vai querer dizer que agora é moda achar que tudo é uma pobreza, ô, ibrahim sued do século vintage? Pseudojornalismo de oráculo mequetrefe, já não basta? Basta.

chauvinista pra ser homem?

Em seu discurso no parlatório, Dilma Vana foi gentil, mas firme e certeira, com seu vice, Michel, o marido de Marcela Temer.

Citou, farta e generosamente, o vice-presidente ausente que entregava a faixa a Michel. Explicitou a grandeza de José Alencar, solicitando discretamente comportamento equivalente por parte de Michel.

Talvez não seja fácil presidir depois de Luiz Inácio, mas certamente tampouco será pequena a missão de vice-presidir depois de José. Com a palavra (ou os gestos), o marido de Marcela.

E, com a palavra, a nova presidenta, quando citou seu trans-conterrâneo Guimarães Rosa: "É isso, a vida pede, sobretudo, coragem para ser vivida e transformada". Para Luiz, Marisa, José, Marisa, Dilma, Dilma, Marcela, Michel, você e eu. Cê tá escutando?, cê tâ entendendo? Ouvido é para ouvir, ficha telefônica não é cotonete, orelha não é abajur de brinco.

coroa e cara de menina (ou) a inquisição da idade média

Hum, cheio de caraminholas aqui, acho que isto vai virar tipo uma série "agora é Dilma", "agora é moda". Prosseguindo:

Uma presidenta solteira é ladeada por um vice grisalho, esticado, de braços dados com uma esposa jovem, expressiva, loura, linda, de linda trança loura.

São traços de uma sociedade ainda extremamente machista, misógina, patriarcal? São.

Agora (é moda?), resposta à altura, ou pior, à baixeza, é uma sociedade inteira reagir à cena concentrando fuzilaria patriarcal, misógina, machista - e covarde- na moça, na Marcela Temer. Nessa hora, somos o espelho quebrado (moralista, puritano, autofóbico) do casal Michel-Marcela. Eles somos nós.

Espelho quebrado vira lâmIna, como já dizia Yoko Ono.

"Para além da minha pessoa, a presença de uma mulher na presidência melhora e valoriza a sociedade brasileira", disse Dilma Vana, cê tá escutando?, cê tá entendendo? Ouvido é para ouvir, orelha não é cabide de molambo.

do lado esquerdo do peito

Dois meses atrás, logo depois de eleita, Dilma Rousseff foi até Luiz Inácio Lula da Silva receber os cumprimentos. Abraçaram-se diante das câmeras, e Lula aninhou Dilma em seu peito.

Ontem, no parlatório, quando Dilma estava empossada e enfaixada e Lula já era ex, trocaram magistralmente os papeis: abraçaram-se mais uma vez, e Dilma Vana aninhou Luiz Inácio em seu peito.

Aula magna de camaradagem, companheirismo, irmandade, igualdade, equidade, simbolismo, pois sim? Há imagens que falam mais do que 190 milhões de palavras, ou tanto quanto 190 milhões de votos (em quaisquer candidatos, pois, como ontem disse alguém, "não peço a ninguém que abdique de suas convicções", cê escutou?, cê entendeu?).

sábado, novembro 06, 2010

a humanidade vive a perguntar se existe vida em outro lugar

Hoje estive no município de Barueri, na região oeste da Grande São Paulo, para participar de um debate num programa educativo ancado pela prefeitura (tucana) da cidade e coordenado pelo Joul, integrante do fenomenal grupo de hip-hop Matéria Rima, do qual já falei (pouco) por aqui alguns anos atrás.

A chamada cultura urbana era um dos fios condutores do debate. A plateia era de adolescentes animadíssimos, e a mesa, um bocado heterogêna. Participávamos eu (no papel de jornalista, crítico musical e, suponho, representante da "minoria branca" de que falava Claudio Lembo, aquela mesma que anda ultimamente cuspindo fogo e ódio contra NORDESTINOS por conta da eleição não de um operário NORDESTINO, mas de uma mulher economista mineira-gaúcha para a presidência da República), o escritor Ferréz, os grafiteiros Tota e Binho, o artista plástico (argentino, radicado paulistano) Balzi e representantes do poder público local. Entre esses últimos, havia três integrantes da Guarda Municipal. E foi aí que os meus olhos se encheram de lágrimas, como de hábito.

Logo de cara percebi, meio sem perceber, um relativo isolamento dos três (dois homens e uma mulher - a única presente na mesa montada no palco do Teatro Municipal de Barueri) em relação a "nosotros". Sentaram-se juntos, num extremo do palco. À esquerda deles havia um assento vazio (no qual depois o inquieto Joul se acomodaria), a seguir o meu, depois Ferréz e os demais. Somente um dos policiais falou no início dos trabalhos (e não foi a mulher, se você me entende). Seu discurso procurou distinguir grafite de pixação, em detrimento dessa última, e foi contestado por Binho, Tota e, principalmente, Ferréz. Ninguém da plateia fez perguntas aos três. Aquelas coisas.

A certa altura, em meio a alguma fala, mencionei que eu era do Paraná. E percebi, meio sem perceber, um sobressalto ali nalgum lugar do meu lado direito. Mais adiante, num dos momentos em que o assento do Joul estava vazio, o policial mais próximo de mim me chamou num sussurro perguntou: "De que cidade do Paraná você é?". Maringá. "Eu também!". E me contou que não só ele (putzgrila!, nem o nome do cara eu fixei) é paranaense e policial, como também é o maestro e o regente da banda da polícia de Barueri.

Quando foi fazer suas considerações finais (sem ter antes feito as iniciais), o "Maestro" (como era tratado pelo porta-voz dos três - do qual, putzgrila 2!, também não fixei o nome) contou, ainda por cima, de sua pós-graduação e dos estudos que faz sobre samba de raiz, com auxílio de Raquel Trindade - que, Ferréz explicou, é filha do folclorista, poeta, ator, pintor, teatrólogo e cineasta (PERNAMBUCANO) Solano Trindade, figura histórica da movimento negro brasileiro.

Nessa rápida fala, o "Maestro" mencionou também como todo mundo se afasta imediatamente de um cara como ele, quando um cara como ele está vestindo farda. Disse que, por baixo daquele uniforme, mora um pai de família, um cidadão etc. Tive a impressão que aí os olhos dele marejaram, e foi aí que minha voz embargou - ou melhor, teria embargado, se eu não estivesse calado.

O debate terminou (muito bem, obrigado), e começaram apresentações artísticas da garotada de lá - e do histórico e formidável dançarino Nelson Triunfo, o "nosso" James Brown NORDESTINO-paulista-BRASILEIRO. (Nelsão, que não é besta nem nada, sabe quão legal é o Matéria Rima, do qual age como padrinho informal - ele esteve no palco dos rapazes quando se apresentaram no projeto "Prata da Casa" do Sesc Pompeia, quando eu era curador, nem sei mais em que ano.)

E eis que de repente, em meio às apresentações, o porta-voz dos policiais desabotoou o coldre (é assim que fala?), abandonou as armas na poltrona da plateia, subiu de volta ao palco e... pôs-se a dançar break!!! Foi ovacionado pela meninada, apesar do corpo não de todo adaptado à agilidade desconcertante da galera da street dance.

Somo mentalmente agora as intervenções de cada um dos policiais, e as minhas, e vejo que voltei a vivenciar hoje, num registro POSITIVO, muito diferente do que estava acostumado a raciocinar, aquilo que havia aprendido em "Cães de Guarda - Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988" (Boitempo, 2004), da historiadora Beatriz Kushnir. Um de meus livros-de-cabeceira, ele investiga as interligações e semelhanças sórdidas entre policiais, censores e jornalistas paulistas durante a fase de terror da ditadura militar brasileira.

Mas, de volta a Barueri, o evento começou debate e terminou festa. A molecada toda subiu no palco para exibir seus próprios passos de dança em meio a dançarinos, policiais, estudantes, rappers etc. A policial feminina não teve coragem de subir, muito menos eu, apesar de termos sido convocados pelo Joul.

Essas experiências de integração - ou de convergência, eu diria, usando a palavra que não me sai da cabeça desde domingo 31 de outubro - nem são uma grande novidade, como bem sabe o pessoal do AfroReggae lá no Rio de Janeiro, entre muitos outros. Mas foi a primeira vez que vi acontecer diante dos meus olhos, aqui mesmo em São Paulo, nesta terra mais tucana que petista onde, a acreditar no que se lê diariamente na "grande" mídia (e até mesmo em seu filhote rebelde Twitter), parece só existir uma elite branca escrota dominada pelo ódio aos nordestinos.

Vou te contar, eu vi de tudo um pouco lá em Barueri, menos um Brasil dividido em dois ou um estado de São Paulo pronto para aderir ao nazifascismo separatista. Terminei mais essa tarde feliz tomando café com bolachas com esse pessoal tão heterogêneo - e travando, pela primeiríssima vez em 42 anos de vida, diálogos completos, amistosos e despidos de qualquer temor com três policiais.

quarta-feira, novembro 03, 2010

há uma cordilheira sob o asfalto (ou: pro dia nascer feliz)

Já nos queixamos muito dos rumos que a campanha presidencial de 2010 tomou ao longo do segundo turno, com a vinda à tona de vários instintos básicos e baixos de... todos nós. Foi misoginia, homofobia, racismo, xenofobia, um espetáculo dantesco proporcionado pelo monstro de mil cabeças que... somos nós.

Mas, quer saber? Cada vez mais eu acho que foi necessário, e francamente positivo. Tenho de admitir que falo isso amparado pelo resultado final, e que certamente estaria me sentindo muito deprimido se as unas tivessem dito outra coisa. Foi um pulo no vazio (mais um!), sem a menor garantia de que as asas iam conseguir se mover ou que o paraquedas se abriria na hora H. Parece que deu certo (de novo!).

Foi bom, foi muito bom, mesmo com as atitudes filme-de-terror adotados em pique "Tea Party dos Estados Unidos (e/ou do Vaticano)" pela campanha demotucana. Aprendemos a odiar apaixonadamente José Serra, que assumiu para si o papel de vilão e de bode expiatório da eleição - nos fez um mal danado, mas nos fazendo mal acabou por nos fazer um bem tremendo. Se Freud explicá-lo, quem sabe um dia ele saiba dar a volta por cima da própria pequenez.

Serra atiçamos preconceitos e fundamentalismos, na maior parte do tempo terceirizando o serviço sujo (não raro delegando-o a figuras femininas). Tudo isso foi peçonhento, arriscado, perigoso à beça para todos nós, e afinal de contas fez com que (nosso lado) Serra morrêssemos na praia.

O lado bom é que, acirramentos à parte, o Brasil escolhemos com tranquilidade, votamos serenamente, legitimamos com altivez o voto que -juravam - significava a ruína e o apocalipse do país.

O resultado? O Brasil dissemos não à TFP, à triade tradição-família-propriedade, filha do casal Casa-Grande & Senzala. O Brasil dissemos não à TFP, essa primogênita do colonialismo.

O Brasil desafiamos a tradição. Elegemos nossa primeira mulher presidente da República. De 35 presidentes, 35 foram homens. Não mais.

O Brasil desafiamos a família, ou melhor, aquela família falida, patriarcal, fundada num só vetor de regras e imposições. Dilma tem mãe, filha, genro, neto, ex-maridos, mas não é chefe ou cônjuge de uma família tradicional. Dilma-presidente desafiamos a família preconizada pela Igreja Católica mais fundamentalista e pelos nichos fundamentalistas encravados nas diversas religiões (ateísmos incluídos). Com muito custo, muita hesitação e muito receio, Dilma dissemos não à misoginia (e à criminalização do aborto), não à homofobia (e à satanização do casamento gay e da constituição não-tradicional de famílias), não ao racismo (e à xenofobia, que só foi emergir explicitada depois da eleição).

O Brasil desafiamos a propriedade. Não aceitamos a demonização do MST (Movimento dos Sem-Terra). Afirmamos (muito tenuemente) que sabemos da existência da Cufa (a Central Única das Favelas) e dissemos não ao recurso medroso da da favela cenográfica (pois, ora, há favelas de verdade no Brasil). Rejeitamos o monolito da religião que pretende se sobrepor sobre o Estado laico (assim, nos posicionamos indiretamente contra a pedofilia, ainda que representada na figura para lá de ambígua de Magno Malta). Repudiamos a satanização de bolivianos e iranianos (ou seja, a xenofobia). Acima de tudo, vencemos a propriedade (paternalista, autoritária) transfigurada em coronelismo eletrônico-e-impresso encastelada na chamada "grande" mídia, ou velha mídia. Derrotamos os ímpetos egocêntricos e infantilizados do conglomerado Globo-Abril-Folha-Estado que queria-porque-queria nos impor seu ungido.

Enfim, o Brasil declaramos, solene e alegremente: não queremos mais ser TFP!

O Brasil, hoje, nos chamamos Dilma Rousseff. Com muito orgulho, muita FELICIDADE e muita gratidão pelo pau-de-arara/retirante/iletrado/operário/metalúrgico/sindicalista que nos abrimos este caminho (não devemos nos iludir, a xenofobia que o Brasil resolveram - ou resolvemos? - externar no pós-eleição é ressentimento dirigido sobretudo contra ele, ou seja, contra nós mesmos). O Brasil, além de tudo, temos direito à FELICIDADE, quiçá como cláusula pétrea de uma Carta Magna ainda por vir.

[O texto já acabou, mas eu ainda tenho mais a dizer, êita, cotovelos falantes! Faz de conta que daqui em diante é um P.S.]

Nos dias que se seguiram à sua eleição, Dilma deu sucessivas demonstrações de habilidade, inteligência e serenidade - as mesmas que o Brasil ofereceu nas urnas. Entre todas, quero destacar uma que me causou firme e forte boa impressão (como diriam os jornalistas que até a semana passada criam que essa mulher era a pior pessoa do mundo e, de repente, descobriram a pólvora - a pólvora, eu disse - e se puseram a elogiar os primeiros discursos da primeira-mulher do país).

Eu, que fugi deste tema propositalmente durante os últimos muitos meses, me rendo: não aguento mais, agora quero falar do cabelo e da roupa da presidente!

Após uma longa campanha durante a qual José Serra usou sistematicamente gravatas vermelhas, qual um travesti de petista, no "day after" do apocalipse, digo, da eleição Dilma Rousseff apareceu na TV Record (primeiro) e na TV Globo (depois) vestida de... azul.

Dilma vestiu azul (papapapapapá!), a cor dos (demo)tucanos, como a dizer: "Agora eu sou de vocês também", "agora vocês também somos Dilma". Depois de os adversários tentarem anulá-la e excluí-la sem tréguas nem apego à verdade, ela agiu como quem já foi torturado barbaramente e como quem sabe peitar os preconceitos que sofre: estendeu a mão para incluir aqueles que queriam excluí-la e (principalmente) os sortudos 44 milhões de eleitores deles.

(P.S. do P.S.: Sobre o cabelo já andei falando no Twitter, e até aqui mesmo, quem sabe qualquer hora dessas a gente volta ao tema...)

segunda-feira, novembro 01, 2010

...da mais louca alegria que se possa imaginar...

Minha principal constatação individual, concluído o processo eleitoral, é que nunca antes na história deste país eu havia acompanhado tão intensamente uma campanha presidencial - até porque, inédita conjunção de fatores, hoje em dia há blogosfera, twittosfera, facebookosfera, orkutosfera, internetosfera...

Foi incrível, pelo aprofundamento compulsório a que isso obrigou, e também pelo desgaste e pelo cansaço que trouxe (tomara que a gente descanse e acalme um pouco nos próximos tempos, né?).

"Day after", fiquei com vontade de fazer este blog comemorar a linda vitória de Dilma Rousseff da forma mais descontraída possível: brincando, que tal?, de fazer um balanço livre, leve, solto e descompromissado desta longa e extenuante campanha.

Eu, que odeio lista de "os 10 mais" & idiotices afins, proponho daqui em diante umas brincadeiras bobas, um quem-é-quem, uns palpites pessoais - quem dá mais?:


Os mais baixo-astral (Troféu Urubu): jornais (dia 1 de novembro), televisão (dia 30 de outubro), jornais, revistas e TV (a campanha inteira).

Os maiores caras-de-tacho (Troféu Sr. Burns): William Waack e Plinio de Arruda Sampaio (noite de 30 de outubro).

Pior momento individual de Serra na campanha (Troféu Idade Média): a farsa aloprada da bolinha de papel. O tropeço foi montado em pique século XX (esqueceram que hoje em dia tudo se filma, nada se ignora!) e se deu em idioma que todo mundo entende (os sambistas deitaram e rolaram com a bolinha de papel).

Melhor momento individual de Dilma (Troféu William Homer): o diálogo carne-e-osso com William Bonner no último debate, quando o cronômetro falhou. Saiu totalmente de qualquer script, e acabou aplaudida até pelo sr. Jornal Nacional.

Pior momento da campanha de Serra (Troféu Padre Francisco de Canindé): seu encontro com o fundamentalismo religioso, via Bento XVI, Silas Malafaia, Dom Luizinho etc. Eu apostaria um dedo mindinho que Serra é ateu, e que ter de tomar as posições que tomou em relação a aborto, casamento gay etc. foi um dos fundos-de-poço da carreira e da vida dele.

Pior momento da campanha de Dilma (Troféu Erenice Guerra): seu encontro com o fundamentalismo religioso, via cordas bambas em que tentava se compatibilizar com as religiões sem se incompatibilizar com os movimentos de direitos civis, e vice-versa.

Melhor momento da campanha de Dilma (Troféu Dilma Rousseff): a atitude olímpica, de jamais descer ao nível rasteiro que o adversário tentava impor.

O melhor momento de Lula na campanha (Troféu Caetano Veloso): o segundo turno inteiro, quando se recolheu ao segundo plano praticamente de cabo a rabo.

Prêmio Espelho Distorcido (Troféu Roberto Jefferson): um triplo empate, José Serra, Mônica Serra, Soninha Francine.

O melhor jingle (Troféu Lulalá): @dilmaboy.

O ativista virtual mais bem-humorado: José de Abreu.

A ativista virtual mais mal-humorada: Soninha.

O ativista virtual mais mal-humorado: Argh!naldo Jabor.

A ativista virtual mais bem-humorada: Pinky Wainer ("hay que enriquecer sin perder la ternura").

Ativista virtual-revelação (Troféu Seda Pura & Alfinetadas): Marta Suplicy.

Ativista-revelação (Troféu Hay Que Enriquecer Sin Perder La Ternura): Hildegard Angel.

O pior momento da "Veja" (Troféu InVeja): A enésima tentativa de ridicularizar Lula na última capa pré-Dilma-presidente. Pintou o presidente mais popular da história como vagabundo-pelado-com-boia-na-cintura. E ofendeu 80% do (e)leitorado brasileiro, só para variar.

O pior momento do "Estado" (Troféu Tiro no Pé): o "cortem-lhe a cabeça" a Maria Rita Kehl, porque ela fez uma avaliação óbvia (e inédita) do Bolsa-Família e, de quebra, deitou no divã a elite (i)letrada brasileira (donos de veículos de comunicação à frente).

O pior momento da Globo (Troféu Luciano Huck): empate entre 1) a truculência-pitbull de Bonner com Dilma e Marina Silva, nas entrevistas do primeiro turno e 2) o empenho "altamente relevante" em provar que no meio do caminho havia uma fita crepe (ou seria uma bigorna?).

O pior momento da Folha (Troféu Quero Me Matar): tristemente disperso, difundido e distribuído ao longo de todo o processo eleitoral (se alguém tiver paciência de enumerar a loooooonga lista...).

Musa intelectual próSerra (Troféu Regina Duarte): Maitê Proença.

Musa intelectual próDilma (Troféu Tecnobrega): Chimbinha da Banda Calypso.

Musa intelectual hors-concours (Troféu Tartaruga): Oscar Niemeyer.

Trilha sonora Serra: KLB, Sandy & Junior, Chitãozinho & Xororó, Leo Jaime, Paula Toller, Roger Moreira, Rita Lee (esta, só após o fechamento das urnas).

Trilha sonora Dilma: Alcione, Leci Brandão, Chico Buarque, Margareth Menezes, Gilberto Gil, Elba Ramalho, O Teatro Mágico, Mano Brown, Sandra de Sá, Netinho de Paula, Chico César, Alceu Valença, Marina Lima, Arnaldo Baptista etc. etc. etc. etc.

Os mais ambíguos 1 (Troféu O Estardalhaço Antes do Chá de Sumiço): Maria Bethânia, Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes.

Os mais ambíguos 2 (Troféu Anfíbio): Aécio Neves. Marina Silva. Ricardo Noblat.

Pior dramaturgia eleitoral (Troféu José Serra): Aguinaldo Silva, Gilberto Braga, Glória Perez.

Melhor dramaturgia eleitoral (Troféu Tiririca): Tiririca.

O eleitor mais elegante: José Alencar.

Melhor eleitora (Troféu Marisa Letícia): Maria Rita Kehl.

Pior eleitora (troféu Weslian Roriz): Mônica Serra.

Pior eleitor (Troféu FHC): José Serra.

Melhor eleitor (Troféu Lula): Luiz Inácio Lula da Silva. E nós. :-)


Que mais? Quem mais? Quem dá mais?

sábado, outubro 30, 2010

para pedro pedro para (pra pensar)

Há um texto que estava guardado e represado aqui dentro fazia tempo - talvez uma vida inteira. Ontem, 29 de outubro de 2010, ele saiu daqui de dentro, e hoje, 30 de outubro de 2010, foi publicado, eba.

Saiu daqui de dentro instigado pela Carol Patrocínio (@carolpatrocinio) e pelo pessoal do incrível blog-site Per Raps (@per_raps). O Per Raps trata (principalmente) de rap, mas esta semana eles dedicaram inteira a escrever sobre política e eleições presidenciais, e me pediram um texto sobre esse assunto, eba.

Carol surgiu com a proposta de que eu escrevesse, livremente, algo sobre as relações entre a política e o dia-a-dia de todos nós, sobre como as escolhas políticas refletem quem a gente é no cotidiano, e vice-versa. Antes mesmo de começar, fiquei pensando: tenho 16 anos de profissão como jornalista e até hoje nunca, nunca, nunca um editor de jornal ou revista ou quem quer que seja jamais havia me pedido um texto sequer parecido com isso. E quem me pediu foi, olha só, um pessoal ligado ao rap, ao hip-hop, eba.

Por essas e por outras, eu não consigo vislumbrar uma véspera de eleição mais feliz para mim que isso. E então, pronto, o que saiu foi este texto (extremamente pessoal) que estava escondido e guardado desde sempre. Ah, e ainda ganhei o novo apelido de "Pedro Alex Sanches", eba!

Enfim, vai ele aí. O lugar mais exato e justo para lê-lo é o Per Raps, mas também não dava para eu não querer deixar registrado e guardado para sempre aqui no meu próprio blog - que, por essas e por outras, tem voltado a ficar movimentado ultimamente, eba.


(Meu muito obrigado ao pessoal do Per Raps!)

Política e educação: conceitos complementares

por Pedro Alex Sanches

Meu pai nasceu numa família pobre, à beira do rio Uruguai, na zona rural de Santa Catarina. Mais tarde, conseguiu estudar se formar em ciências contábeis. Minha mãe, nascida no interior do Rio Grande do Sul, teve menos sorte (se é que se pode chamar de “sorte” a abissal diferença de condições que a sociedade dá a homens e mulheres): foi criada num orfanato de freiras que deixavam suas alunas passarem fome e as torturavam psicologicamente, e só conseguiu estudar até a quarta série.

O casal se radicou em Maringá, interior do Paraná, onde nascemos os três filhos. Meu pai virou dono de casa lotérica, seguindo o exemplo do pai dele, e pôde sustentar a família com tranquilidade. Sempre incutiu conceitos rígidos de honestidade nos filhos, mas depois de adulto eu, o caçula, não pude deixar de pensar inúmeras vezes que recebi alimento e conforto às custas da exploração do sistema lotérico mantido pelo regime militar (meu pai, embora nunca tenha sido um homem violento, era adepto entusiasmado da ditadura civil-militar brasileira). O público preferencial das casas lotéricas, nem preciso dizer, era a parte mais pobre da população, aquela que só conseguia vislumbrar chance de melhorar na vida ganhando fortunas na loto ou na mega-sena.

A vida inteira estudei em escolas públicas. Do primeiro ano primário até a idade de entrar na faculdade, estudei no Instituto Estadual de Educação de Maringá. Depois, me formei em farmácia-bioquímica pela Universidade Estadual de Maringá e, depois, em jornalismo pela Universidade de São Paulo.

A rigor, minha formação foi paga pelos governos dos estados do Paraná e de São Paulo, mais complementos bancados pelo meu pai (uniformes, material escolar, livros, xerox, aluguel de quitinete paulistana). Mas acho que posso afirmar, simbolicamente, que fui subsidiado pelos generais da ditadura, depois pelos presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e, no último ano do curso de jornalismo, Fernando Henrique Cardoso.

Estou dizendo, em outras palavras, que ganhei desses governantes a minha cota de “bolsa esmola” – que é como a playboyzada mais ignorante e socialmente insensível costuma se referir ao Bolsa-Família de Lula, que pede a permanência das crianças na escola em troca de uma ajuda de custo mensal. Vejo que hoje as escolas estão povoadas por crianças muito mais pobres do que eu fui, e isso me dá um arrepio de alegria.

Dizem que o ensino público brasileiro é fraco, e concordo em parte. Tive que complementar minha formação por aí, muitas vezes por conta própria, e muitas deficiências carrego até hoje. Nem mesmo na conceituada, cobiçada e elitizada USP, por exemplo, jamais tive aulas de cidadania, racismo, misoginia, homofobia, direitos humanos, direitos civis…

Mesmo assim, minha formação foi suficiente para eu conseguir emprego na Folha de São Paulo, antes mesmo de me formar jornalista (nossa “grande” mídia sempre criticou a falta de diploma do presidente Lula, mas em geral nunca exigiu diploma de seus funcionários, como não exige os diplomas dos vários cursos e cargos não-concluídos de seu atual candidato a presidente, José Serra).

No meu caso, ir para a Folha significou que indiretamente continuei a ser financiado pelos governos (tucanos) do estado e do país. É o que acontece até hoje com quem trabalha em veículos como Folha, Veja, O Estado de São Paulo e amplos setores da Rede Globo, todos atualmente divididos entre a “bolsa-esmola” das polpudas publicidades do governo petista de Lula (que combateram raivosamente durante oito anos) e dos governos tucanos de São Paulo (aos quais são amplamente subservientes, a ponto de parecerem seus sócios, ou no mínimo empregados regiamente remunerados).

No balanço disso tudo aí fui sempre, não sei bem por quê (ou será que sei?), um fã ferrenho dos partidos políticos de esquerda, especialmente o PT. Em 1989, quando eu tinha 21 anos, o Brasil promoveu sua primeira eleição direta para presidente após 29 anos sob a tirania de ditadores e semiditadores. Nesse intervalo, os militares de extrema-direita prenderam, expulsaram do país, torturaram e assassinaram milhares de cidadãos e cidadãs (inclusive a atual candidata petista a presidente, Dilma Rousseff, que dessas coisas todas “só” não foi exilada nem assassinada).

Vivi do nascimento à maioridade sob esse clima irrespirável, altamente repressivo, mas a maioria avassaladora dessas notícias não chegava a Maringá, nem eu tinha o hábito de ler jornais. Mesmo assim, alguma coisa inexplicável (ou será que explicável?) sempre me puxou para votar à esquerda, e desde então tenho votado em Luiz Inácio Lula da Silva – em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006. Em 3 de outubro votei pela primeira vez num candidato que não é Lula, e repetirei o mesmo voto amanhã: vou votar em Dilma Rousseff, é óbvio. A propósito, festejo esse privilégio de que usufruo desde os 21 anos: que bom poder votar!!!

Pois bem, assim fui seguindo e sigo a vida, sempre com dificuldade de ligar todos os pontos que a constituem, muitas vezes sem conseguir muito explicar os porquês das minhas opções, dos meus erros, das causas que me movem à luta. Depois de dez anos na Folha e quatro na revista CartaCapital (que foi minha pós-graduação informal em jornalismo, como costumo dizer), resolvi tentar viver como jornalista autônomo, sem vínculo empregatício direto com nenhuma empresa jornalística – tenho me virado legal, mas a real é que há quase dois anos vivo em regime de subemprego (sem férias remuneradas, décimo-terceiro, aquelas coisas), por ironia num tempo em que o governo Lula cria 200 mil novos empregos por mês.

Como disse, é difícil juntar os pontos dos significados de tantos dados espalhados, mas eu cheguei perto de algum entendimento maior quando fui ler Lula – O Filho do Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2002), da jornalista e doutora em ciências humanas Denise Paraná (esse livro, bem acadêmico, originou o filme de mesmo nome, embora um pouco tenha a ver com o outro). Alguns trechos ali me impressionaram profundamente, em especial os que interpretavam como a condição de operário de Lula ajudou a moldá-lo do modo como o conhecemos hoje. Peço licença para copiar alguns deles aqui:

“Lula e Frei Chico (...) contam também por que aspiravam a trabalhar em empresas multinacionais: eram elas que ofereciam os mais altos salários e – aqui aparece novamente a questão da auto-estima – participar de seu quadro de funcionários era um orgulho não só pessoal como também familiar”;

“(…) pertencer ao quadro de funcionários de uma grande empresa, uma indústria que encarnasse progresso e pujança econômica, era para o trabalhador um símbolo de que ele também passava a encarnar tais qualidades, representando a figura do vencedor dentro da mais genuína lógica capitalista”;

“Ao mesmo tempo em que reconhece a existência de salários privilegiados em relação à média do mercado, Sader aponta para o alto grau de controle disciplinar, para os sistemas repressivos e o tratamento despótico dispensado aos trabalhadores pelos empresários das grandes indústrias automobilísticas que tendiam a criar um clima de tensão e competição entre os trabalhadores, minando os movimentos de solidariedade e possíveis formas de organização”;

“(…) o grande sonho dos operários era assumir uma função bem remunerada e valorizada socialmente no interior das grandes empresas; assim, o caminho para a melhoria de vida e a ascensão social fazia-se através de um percurso individualista. A famosa e tão repetida expressão popular ‘vencer na vida’ traduzia-se aqui em tornar-se finalista numa corrida individual por melhor emprego, isto é, melhor condição de vida, deixando os colegas para trás”
.

Imagino que o jornalismo possa parecer a você uma profissão legal, privilegiada, bem-remunerada (nem tanto, viu?, nem tanto…), glamurosa (no meu caso, fui ser jornalista musical, o legal dentro do legal). É meio assim mesmo, não nego, mas, nossa!, como eu me identifiquei com as palavras acima quando as li. Parecia que Denise Paraná estava descrevendo a minha vida profissional

Foi só a partir dessa leitura (ou seja, há pouco mais de um ano) que comecei a entender um pouco melhor a minha posição de operário dentro da grande fábrica de notícias (e ficções nada científicas) que é a nossa “grande” mídia. Certo, não lido com tijolo e cimento, e sim com tinta e papel, ou melhor, neurônios, dedos e computador. Mas, meu amigo, minha amiga, se eu fosse falar o quanto conheço, de dentro de ambientes supostamente “educados”, sobre maus tratos, assédio moral, homofobia, bullying (aliás, essas são outras “matérias” que jamais aprendi em escola nenhuma, e você?)...

Até de racismo conheço um pouco, apesar de ser branco como papel – meu, se você soubesse quanto é difícil emplacar reportagens sobre rap nacional na “grande” imprensa brasileira…

Estou querendo dizer que, à parte a atmosfera “civilizada” e o tal glamour, a vida de um jornalista assalariado guarda elementos hereditários, eu diria, de servidão, humilhação e escravidão, tanto quanto inúmertas outras profissões – ator de TV, cantora, operário, empregada doméstica, trabalhador de construção, babá de filhotes riquinhos, porteiro, diarista, catador de papel, taxista, secretária-executiva, bancário, professora de escola pública (ou particular), segurança, policial…

Foi aí que deu o clique, que me veio a explicação lógica para eu ter votado tantas vezes em Lula e já ansiar, um ano atrás, pela hora de votar em Dilma. Mesmo sem carteirinha de sindicato ou ficha de filiação partidária, eu saí da barra da saia do meu pai em 1991 para virar um operário, um integrante do partido dos trabalhadores (uso em minúsculas, porque até no PSDB e no DEM existem trabalhadores), pô!

Ainda não tenho certeza se a minha vida em particular melhorou ou piorou nos últimos oito anos (ah, quer saber?, acho que melhorou, sim, à beça!). Mas, concluído mais este ciclo, tenho uma certeza: sou muito, muito, muito orgulhoso dos votos que emprestei a Lula, esse meu irmão.

Nesses anos todos, enquanto pelejava para cá e para lá com meus tijolos de palavras, vi muita coisa acontecer. O pré-sal e o respeito à estatal Petrobras começaram a enriquecer o Brasil como um todo, e há leis garantindo que seus lucros não sejam entregues aos Estados Unidos a preço de espelhinhos e miçangas. O Brasil, antes desprezado e humilhado na chamada comunidade internacional, goza de um respeito externo que jamais havia possuído – não era à toa, pois até pouco mais de um século atrás éramos um país oficialmente escravocrata, e só há 26 anos encerramos uma ditadura sangrenta bancada pelos supostamente “cultos” Estados Unidos. Mas qualquer hora dessas vão dizer que não somos mais um país “subdesenvolvido”, quer apostar?

Este Brasil hoje goza de respeito e admiração internacional porque tem Lula, que lidera a decisão de não baixar mais a cabeça para os países “ricos”, mas também respeita os países da África, o Haiti, Cuba, o Irã (e não só regimes tirânicos “amigos” dos EUA, como Israel, Itália – e os próprios EUA). Respeita para ser respeitado, em resumo.

Nesses oito anos, o Bolsa-Família (e não “bolsa-esmola”, como diz quem teve estudo e parece não tê-lo aproveitado para maiores aprendizados) começou a democratizar o ensino. O ProUni tem levado às universidades uma população crescente de estudantes mais pobres, para tomar posse das vagas que deviam ser deles desde sempre, mas eram quase sempre ocupadas por garotos como eu e por garotos muito mais ricos que eu. Universidades novas têm sido construídas, inclusive em regiões como o Nordeste, e não só no universo-umbigo chamado São Paulo e vizinhanças. As cotas raciais vêm sendo implantadas (a USP, gerida por governos tucanos, até agora não o fez, olha que curioso).

Assim como o Brasil cresce aos olhos do mundo, aqui empregadas domésticas, porteiros e pedreiros têm comprado carros, viajado de avião e frequentado universidades, e existe muita madame e muito marmanjo incomodados com a “inesperada” dificuldade de contratar serviçais. O fato de seus cidadãos menos favorecidos se desenvolverem aqui dentro é o que faz o Brasil crescer lá fora (e passar incólume de crises financeiras ditas “mundiais”), muito mais que o contrário. A autoestima precisa sempre vir antes da estima dos outros, senão nunca vem. Os mais ignorantes e estúpidos entre nossos patrões e patroas ficam enlouquecidos quando intuem essa profunda transformação – eles gostam mesmo é de escravidão, sem nem perceberem que também são escravos, ainda que forrados de ouro e papel-moeda.

Enquanto o Brasil atravessava essas mudanças, aqui em São Paulo o então governador Serra e seus asseclas deixavam gente sem nenhuma perspectiva de futuro estufar a cracolândia no centro da cidade – segundo línguas más e sordidamente mudas, para desvalorizar o mercado imobiliário daquela região e preparar o “futuro” (futuro de quem, caras-pálidas?) para a edificação de um pomposo centro empresarial, ou coisa que o valha. Como que perdido no tempo, o então governador Serra tratava policiais e professores do ensino público à base de cassetete e gás lacrimogênio, como se ainda estivéssemos em plena ditadura militar. Como muita gente já sabe, o modo mais eficaz de manter escrava uma população é negar-lhe condições de educação e emprego pleno. Bingo (ou eu devia dizer loto, sena, jogo do bicho?).

Há muita coisa acontecendo no Brasil, mas a grande revolução que Lula tem promovido acontece nesse binômio, emprego-e-educação. E, curiosamente, a “grande” mídia que sustenta minha sobrevivência simplesmente ODEIA tocar nesse assunto. Em pleno processo eleitoral, prefere falar (sempre preconceituosamente) sobre religião, aborto, casamento homossexual, bolinha de papel, “terrorismo” da candidata que foi torturada pela ditadura sustentada por ela, mídia, com mão de ferro.

E cá estou eu, ligando pontinhos, tentando somar essas coisas todas. Por falar em somar, escrevi e publiquei um livro chamado Como Dois e Dois São Cinco (Boitempo, 2004), sobre Roberto Carlos, o cantor mais popular da história do Brasil – olha só, até livros o meu “bolsa-esmola” me permitiu escrever.

A conclusão à que chego é que às vezes parece até que nem sei em quem voto ou por que voto nessa e naquele. Mas, olha, acho que eu sei, sim. Sei com quem me identifico. Sei que carrego sentimentos de culpa, mas também de injustiça, que me causam raiva, por mim mesmo e por outros muitos irmãos (neste ponto, posso chamá-lo de irmão, ou irmã?).

Sei que busco minha felicidade individual nesta vida, mas sei também que só sou feliz quando estou interagindo com um monte de gente, e que quanto mais gente feliz existe ao meu redor (ou mesmo longe de mim), maior é a minha probabilidade de ser mais feliz. Dito tudo isso, você já sabe qual é o apelido que vou dar à minha felicidade na urna amanhã. Temos uma noite inteira pela frente, pensa bastante aí que nome você quer dar à sua felicidade.

sexta-feira, outubro 29, 2010

um homem deste tamanho com tanto medo da Dilma???

Tensão pré-eleitoral é fogo, e pelo que sei ainda não se inventaram remédios eficazes para combatê-la.

Ou será que inventaram?

Tenho usado um remedinho aqui para a minha TPE (pensa que homem também não tem, é?!). E sabe que está ajudando imensamente, pelo menos para aliviar os sintomas externos?

Estou me referindo à coisa mais genial que apareceu nos meios culturais, em relação aos últimos dias da campanha. É o samba de partido alto "Bolinha de Papel, você sabe do que estou falando, não sabe?



Faço questão de, além de ouvir, transcrever a deliciosa letra (destaque total para as duas últimas estrofes, sutis em não mencionar explicitamente aquilo que não deve ser nomeado):

Deixa de ser enganador
Pois bolinha de papel
Não fere nem causa dor

Um homem forte
De tamanho natural
Como pode uma bolinha lhe mandar pro hospital?

O factoide
Ao perceber que perdeu
Entra logo em desespero
Foi o que aconteceu

Cara-de-pau
Sempre existiu por aí
Uma bola de papel
Lhe mandar pro CTI

Me engana
Já diz a rapaziada
Foi sentir 20 minutos
Após levar a bolada

É bom que saibam
Que não estamos em guerra
Que em 31 de outubro esta história se encerra

Pra aparecer
Pede que a turma te filma
Um homem deste tamanho
Com tanto medo da Dilma

Ah, e no final do clipe ainda vem o texto-manifesto curto e direto, assinado por Martinho da Vila, Wilson Moreira, Monarco, Nelson Sargento, Delcio Carvalho, Gisa Nogueira, Noca da Portela, Tantinho da Mangueira, Moacyr Luz, Paulão Sete Cordas, Ze da Velha, Silvério Pontes, Cláudio Jorge e Wanderley Monteiro. É mole ou quer mais? O tempo passa, os anos voam, o Bamerindus muda de nome, mas o samba continua sendo um dos maiores orgulhos deste Brasilzão.

(P.S.: este texto foi publicado ao som de "Tudo Bem (Big Ben)", nova do Bebeto, gênio do samba-rock, brasileiríssimo: "Mas tudo bem/ ah, tudo bem/ eles não têm Jorge Ben/ o deles é big/ o nosso é Jorge/ mas tá tudo bem/ estamos bem." Manhã feliz!)

quinta-feira, outubro 28, 2010

...e se você fecha o olho a MENINA ainda dança

Tudo começou porque dei vazão, no Twitter, a uma fofoca que ouvi semanas atrás (e que não tenho a menor ideia se tem algum fundo de verdade). Ouvi dizer que Dilma Rousseff, eleita, pararia de tingir os cabelos e os deixaria naturalmente grisalhos. Além de ser a primeira presidente brasileira, passaria também uma presidenta grisalha.

Eu acho o máximo, e externei isso via @pdralex.

Para quê. Criou-se uma pequena celeuma lá, com uma maioria de manifestações de que mulher "não pode" deixar de cabelos sem tintura (ao contrário dos homens, que não só podem como são elogiados por serem grisalhos). Logo entrou também o tema da depilação feminina, em registro parecido: basta alguém tocar nesse assunto que, invariavelmente, um monte de gente grita de imediato, indignada pelo temor (fobia, eu diria) de sequer imaginar uma dama de sovacos cabeludos.

Defendi lá no Twitter, e sigo defendendo aqui, que tratam-se de manifestações arraigadamente misóginas. Se o ódio à mulher é moeda corrente, que dirá o ódio à mulher grisalha, o ódio à mulher cabeluda. A geral, composta indistintamente por homens e por mulheres, repete os mesmos clichês de sempre ("não pode!", "que nojo!"), sem nem pensar sobre o assunto, sem refletir minimamente no quanto de regra, norma, prisão, discriminação, tortura psicológica e misoginia há nessas simples e amplamente obedecidas proposições.

Diz o senso comum: mulher TEM QUE tingir os cabelos. Homem NÃO PODE usar esmalte nas unhas nem batom nos lábios. Mulher que não depila pernas e axilas é NOJENTA. Homem de saia é ASQUEROSO (além de frouxo e bicha, obviamente). Mulher É OBRIGADA a furar as orelhas (não sei por quê, isso me faz pensar em cachorros com os rabos amputados, por razões "estéticas") para "poder" vesti-las de brincos, argolas e miçangas que tais.

(Em geral não aprecio escrever em MAIÚSCULAS, mas fiz isso agora para ACENTUAR o caráter AUTORITÁRIO e DITATORIAL de tais proposições - ou de ORDENS, prefiro afirmar.)

(Outra coisa que não aprecio fazer, e da qual fugi durante toda a campanha eleitoral, é ficar me detendo às roupas e aos cabelos da candidata Dilma - me parece um modo misógino de tergiversar, de deixar sem discussão as ideias e os pensamentos daquela mulher, de qualquer mulher, algo que nunca se faz com o candidato homem. Hoje baixei a guarda, pelos motivos especiais que você há de entender.)

Pois bem, Dilma Rousseff vem aí, e toco aqui nesses tabus por considerá-los questões quentes e candentes do momento, assim como aborto, casamento gay e toda essa série de temas comportamentais que a campanha presidencial de 2010 tem trazido à tona - de modo bestial, mas paradoxalmente também benéfico, palpito. E se a presidenta Dilma ficar grisalha, quem aí vai fazer mimimi e trololó? O monstro de mil caras da misoginia vai arreganhar também esses dentes, se ela o fizer?

Mas então, volto a tocar no tabu por isso, mas também por uma outra razão, mais que nada, mas que tudo. A discussão no Twitter rapidamente me fez lembrar que em julho passado, quando a revista "Trip" propôs e eu ajudei a executar um reencontro parcial dos velhos Novos Baianos, houve um trecho de entrevista muito emocionante para mim, e que ficou inédito até agora porque eu não soube como encaixar naquele material.

Ali eu estava começando a encaficar um pouco mais com temas como esses, e quem incendiou minha imaginação foi, mais uma vez, uma cantora (e pastora evangélica) absolutamente fenomenal, antes chamada Baby Consuelo, hoje rebatizada Baby do BRASIL (este usado em maiúsculas pela grandeza, não por nostalgias de ditaduras semi-inacabadas). Finalmente achei o pretexto e a motivação para voltar a eles e ao partir agora para a transcrição me deparei, para meu espanto, com uma fileira de alguns dos mesmos assuntos que, meses mais tarde, viriam a frequentar dramaticamente a campanha presidencial.

Sendo assim, convido você agora a passear comigo na van que nos levava de volta à vida real, após a breve visita de Baby, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Dadi Carvalho ao Sítio do Vovô dos Novos Baianos, velhos cariocas. Falávamos, naqueles trechos, sobre o fato de Baby ser uma única mulher ao redor de quase uma dezena de homens no grupo. Sobre religiosidade. Mais adiante, sobre o rock-samba-frevo-etc. "O Mal É o Que Sai da Boca do Homem", que Baby Consuelo e Pepeu Gomes defenderam no festival MPB 80 da Rede Globo - e que bateu de frente com a Censura da já agonizante ditadura civil-militar, por conta de versos como "você pode fumar baseado/ baseado em que você pode fazer quase tudo/ contanto que você possua/ mas não seja possuído/ porque o mal nunca entra pela boca do homem/ porque o mal é o que sai da boca do homem". E sobre Branca de Neve, e sobre cabelos coloridos, e sobre... sovacos cabeludos.

Entrarão aí abaixo uns tantos temas, a meu ver todos apetitosíssimos, e todos aperitivos da sabedoria altamente caótica dessa artista excepcional. Fala, dona Baby do BRASIL.

(Antes, uma última observação, à parte: dedico esse texto, com a maior admiração, ao também excepcional cartunista Laerte, tão maravilhosamente doidão hoje quanto sempre foram Baby & os Novos Baianos.)

*

PAS - Como era ser mulher ali naquela comunidade? Era mais difícil por isso?

BB - É porque eu sou muito macho também, entendeu? Eu sou muito macho. Sou muito menino, e menina, "se Deus é menina ou menino", né?, somos "masculino e feminino" [faz referência à canção homônima dela, de Pepeu Gomes e de Didi Gomes, gravada em 1983 por Pepeu]. Nunca fui de laço de fita invisível na cabeça. Sempre fui um ser, um ser casualmente feminino. Não gosto de determinadas frescuras femininas e não gosto de certos comportamentos femininos, e também dos masculinos. Acho que nós somos iguais em muitas coisas, e nas nossas diferenças [faz voz charmosa, alongando a letra "a"] nós nos completaaaaamos. (...)

PAS - Baby, como você se relaciona hoje com a sua fase solo, pop, de "Cósmica" [1982], "Telúrica", "Todo Dia Era Dia de Índio" [ambas 1981]?

BB - Ai... Olha, que delícia isso, sabe por quê? Há muito tempo eu já não estava visitando essa área, porque comecei a compor pro gospel, e muito ligada com esse meu lado "popstora". Mas alguns convites foram feitos, eu analisei e topei fazer. E aí começa todo mundo a gritar: "'Cósmica'!", "'Telúrica'!"..., e músicas campeãs nisso, que são "Brasileirinho" [1976], "A Menina Dança" [1972], "Menino do Rio" [1979]... O pessoal fica louco. E achei muito gostoso, porque, quando compus muitas dessas músicas, com Pepeu na parceria, eram coisas muito pessoais minhas. A letra de "Masculino e Feminino", por exemplo, na verdade era "ser uma mulher masculina não fere o meu lado feminino", que era essa coisa de a Baby ser igual a qualquer um dos Novos Baianos. Mas aí dei pro Pepeu, porque o disco dele ia sair primeiro. Pensei: vai ser um escândalo esse negócio do Pepeu, tá dizendo que ele é gay?, não, não é isso, ele tá falando de um homem feminino. Essas letras todas eram parecidas comigo, falei: "Pô, não sei se esse povo vai entender". Aí foram entendendo, sempre teve um lado Baby meio brejeira...

Mas quando chegou agora... Tenho encontrado fã que tinha nove anos de idade, apareceu um no show com Elza Soares e Ademilde Fonseca, sei lá com quantos anos, 39, dizendo: "Eu até me converti por causa de você, sou louco por você", querido, lindo, trouxe todos os discos. Tá vindo coisa de todo lado, tá tudo aparecendo, pra mim tá sendo muito gostoso. Neguinho fala: "Quero 'Cósmica'!". "Você conhece?" "Conheço, amo aquela música", olha que coisa engraçada! Porque é completamente diferente do que todo mundo tá ouvindo...

PAS - É uma fase sua que está sendo revalorizada de um tempo pra cá, como já tinha acontecido com a fase dos Novos Baianos.

BB - Você já sacou isso?

PAS - Sim.

BB - Então não sou só eu que tô sacando, né?

PAS - "Todo Dia Era Dia de Índio" faz o maior sucesso em qualquer festa. (...) Aquelas letras todas soavam esquisitas, talvez não fosse algo que as pessoas estivessem esperando na época, mas a sonoridade era fenomenal.

BB - Marav... [interrompe-se] O disco "Canceriana Telúrica" [1981] tem oito músicas, e das oito quatro foram sucesso total, não sei se você lembra [ô, se lembro, Baby!...]. (...) "Telúrica" e "Cósmica" foram duas palavras que encontrei, achei "Telúrica" uma palavra maravilhosa e tomei a liberdade, como poeta, de usar "telúrica" para ser o "terrestre", com luz. Ou seja, terrestre é terrestre, vende a mãe por um saco de dinheiro, mas telúrico não vende. Era isso que eu queria dizer. Lembro que uma vez Chico Buarque se encontrou comigo e falou: "Foi maravilhoso você ter encontrado essa palavra e a maneira que você tá usando". E em "Cósmica" eu falei: "É sintonia espiritual pra ser transcendental". Era a minha definição, completamente fora do misticismo comum da época. Eu passei por muitas fases, mergulhei em muitas religiões, busquei muito, mas sempre detestei altares fora, isso sempre me deu mal estar, me incomoda. Acho que o altar é dentro, você tem que estar santa por dentro, não é ficar falando da boca pra fora.

PAS - A fase do guru Thomas Green Morton foi um equívoco?

BB - Na fase do Thomas Green me parecia que eu tinha encontrado definitivamente uma porta, uma porta estreita até, e que Deus ia se materializar pra mim a qualquer hora. Porque tudo se materializava, água transformava em óleo e perfume, papel em ouro, os metais entortavam, tudo acontecia. Demorou dez anos pra eu descobrir que aquela energia não era o que eu buscava. Imagina, você tá no meio de materialização e desmaterialização... Quando descobri que não era...

PAS - Essas transformações eram simulações dele?

BB - Não, aquilo acontecia. É uma outra energia, Rá é um principado do Egito, é Lúcifer, que tá amarrado e reconhecido em nome de Jesus - já que perguntou tem que dizer, vai fazer o quê, né? Mas isso é bíblico, conheço porque estudei e sei, está lá na escritura, cada um é um.

PAS - "O Mal É o Que Sai da Boca do Homem" você nunca mais vai cantar?

BB - Não, isso é maravilhoso, é de Jesus...

PAS - A música fala de baseado [na fase evangélica, Baby faz restrições veementes ao tema drogas]...

BB - Essa frase é de Jesus.

PAS - Nessa música você dizia "você pode fumar baseado, baseado em que você pode fazer quase tudo", isso você não cantaria hoje?

BB - É, eu não quero falar desse negócio. Não falo dessa música, a gente não pode falar dela agora.

PAS - Preciso dizer, eu descobri você em 1980, por causa dela...

BB - É, mas não é pela música, é aonde chega... [Galvão conta que hoje não autoriza mais gravações dessa música, e Baby acaba falando sobre ela] A música falava de fumar, comer e beber, que eram coisas que estavam acontecendo normalmente na nação. Tudo que você fizer, você pode fazer, baseado, baseado em quê? Você pode fazer quase tudo, contanto que você possua, mas não seja possuído. O trocadilho entrou, e entrou muito bem. Fui ao Supremo Tribunal Federal com Pepeu, e quase pegamos uma cadeia de 15 anos, então não quero falar dessa música. Essa frase "contanto que você possua, mas não seja possuído, porque o mal é o que sai da boca do homem", eu peguei da Bíblia. A ideia era que a juventude entendesse o seguinte: ninguém vai ser babá de você, não. mas se você for possuído por cada droga, que é o que aconteceu, você vai dançar [ela e Galvão divergem, discutem a letra].

Galvão - Essa música ganhou o festival. Um cara do júri chegou pra mim: "Vocês ganharam o festival, mas aí uma pessoa lá disse que essa música tá falando de maconha, na Globo" [o vencedor anunciado foi Oswaldo Montenegro, cantando "Agonia"]. (...)

BB - Você tá falando uma coisa que eu, como autora também [a canção é assinada por Pepeu, Baby e Galvão], não vejo. Não vejo essa música mandando ninguém fumar maconha.

PAS - Posso te contar uma coisa? Eu tinha 12 anos quando "O Mal É o Que Sai da Boca do Homem" apareceu na Globo, morava no interior do Paraná, nunca tinha ouvido falar ou prestado atenção nos Novos Baianos. Descobri Baby e Pepeu naquela ocasião...

BB - Que delícia.

PAS - ...e uma coisa que me marcou muito é que você tinha o...

BB - O cabelo debaixo do braço!

PAS - ...o sovaco peludo. Isso era muito libertário, não era?

BB - Maravilhoso, maravilhoso.

PAS - Até hoje mulher não pode deixar de raspar...

BB - Pode, poder pode... Eu não raspo debaixo do braço até hoje.

PAS - É? Não era uma coisa pra provocar?

BB - Não, isso é o seguinte: se você pode, por que eu não posso? Eu tinha que ficar raspando todo dia, todo dia, que saco!

PAS - Uma mulher masculina...

BB - Toda hora tem que raspar debaixo do braço, a perna, eu quero música! Eu tenho muito pouco pelo debaixo do braço, e esqueço o tempo todo disso, esqueço de unha, esqueço de tudo. Eu tô doida por guitarra, meu Deus do céu, chega! Agora, acho uma delícia quem tá sem pelo, "ai, que gracinha", "uma gracinha ela". Mas isso não muda nada pra mim.

PAS - Não é um machismo da sociedade, que a mulher é obrigada a raspar aqueles pelos e o homem não?

BB - Mas é o seguinte, agora vamos falar o lado bom disso: o pelo debaixo do braço geralmente dá cecê aquele cabeeeelo. Porque tem mulher que não é um cabelo, é um chumaço [risos]. Aí descobriram tirar o cabelo, olha que maravilha, ficou sem cabelo nenhum. Acho maravilhoso também, mas acho que tem que ser livre. Acho maravilhoso a perna lisinha, mais bonito que ela cheia de cabelo, embaralhando, fazendo trança. Agora, o homem fica bem, né?...

PAS - Isso causou falatório em 1980, e se aparecesse hoje uma mulher de braço cabeludo na TV ia causar o mesmo falatório que 30 anos atrás, não?

BB - É, teve uma época que eu pintei o cabelo debaixo de um braço de rosa e o do outro de azul. Não consegui ficar porque começaram a manchar as camisas todas [risos]. As camisas ficaram azuis e rosa debaixo do braço.

PAS - Fez shows assim?

BB - Fiz, falei: "Vou pintar o cabelo colorido, esse povo vai enlouquecer quando eu tirar a primeira foto assim". Eu já tava curtindo adoidado, né?

PAS - Os cabelos coloridos começaram por quê?

BB - Porque eu era fã da Branca de Neve quando era criança, e ela tinha um cabelo azulão. Tudo que na minha infância eu quis fazer quando fosse grande, eu fiz. A primeira coisa era comer uma panela de brigadeiro. A outra era lamber e comer todo o bolo sem cozinhar ainda - a gente nunca podia comer o bolo antes, então preparei um bolo como tinha que ser e comi ele inteiro, devagarzinho. Deu uma dor de barriga! Essas duas coisas eu consegui, e a outra foi o cabelo da Branca de Neve. [Nos Estados Unidos] Passou uma mulher com um cabelo meio violetado, quando ela passou debaixo do sol eu agarrei ela e falei: "Where?". Eu não sabia falar inglês, ela tomou o maior susto, eu falei: "Your hair! I'm brazilian, singer, singer!". Aí ela, meio assim, escreveu, Manic Panic era o nome da tinta. E eu comecei a trazer pro Brasil. Agora consigo comprar aqui mesmo uma que é italiana, mas vende aqui, violeta.

PAS - Nunca mais deixou de pintar desde então?

BB - Não. Já pintei de várias cores, já fiz aquela coisa de arara...

PAS - Tinha uma que era rosa...

BB - É, e essa violeta tem uns cinco anos. [o roadie Zeca lembra da tinta vermelha] Vermelha, não, era "rose red", ficou um tempão. Era um rosa avermelhado.

PAS - Mas peraí, foi primeiro por causa da Branca de Neve, aí você gostou e manteve?

BB - É, aí eu queria ficar com o cabelo colorido...

PAS - E aí o Pepeu ficou também...

BB - O Pepeu sempre gostou das coisas que eu gosto, tem uma coisa meio de irmão ali, né? E, como ele também fica superbem de cabelo colorido, não vacilou e botou também. Depois ele ficou de louro e preto. A gente geralmente tem que descolorir o cabelo pra pintar, tinha muito isso. Teve uma época que eu pintei de preto, foi quando preto pra mim era coloridíssimo. Pra pintar de preto, é quando o preto entra como uma coisa supermaravilhosa, não como "volte ao normal" - normal onde? Eu não tenho normal. Tudo meu é anormal, graças a Deus.

PAS - Qual é a cor original?

BB - É preto. Mas eu não tenho nada normal, graças a Deus. É tudo fora do normal. Normal?, eu não sei o que é normal. Normal é você ser criativo, livre, com responsabilidade, sabendo amar ao próximo como a ti mesmo. Isso seria o normal.

PAS - Vocês, de cabelo colorido, cantando essas músicas, eram vistos como os doidões da época, assim como os Novos Baianos tinham sido na década anterior?

BB - É, é... É fruto, né?

PAS - Essa imagem continuou, não?

BB - Continua...

PAS - Hoje não sei... Talvez sim, por você ser religiosa e manifestar isso...

BB - É, no meu caso, apesar de falar muito das coisas de Deus, o povo acha hoje isso a maior loucura. E eu fico feliz, porque isso antigamente era a maior caretice. Virou uma loucura bacana...

PAS - É uma coerência sua ao longo do tempo?

BB - Se a gente buscar ser espiritual, sempre tem que estar envolvido com alguma coisa, com algum altar. Não tem altar, vai direto pro Pai. Agora, pra fazer isso você tem que andar com ele. Esse lado eu acho o mais louco de todos, porque envolve você não perder sua identidade, não perder sua criatividade, não ficar religioso, não ficar chato careta. Pô, é um exercício.

PAS - Corda bamba...

BB - É. Mas dá. [Nesse instante, a van chega ao endereço onde vai deixar Baby. Ela distribui beijos a todos, desce e volta para sua vida.]

*

E aí, me conta? Conseguiu ler SEM preconceitos o que Baby Consuelo do BRASIL tem a dizer? Vamos passear nos Estados Unidos do BRASIL?

domingo, outubro 17, 2010

vamos passear nos Estados Unidos do Brasil

Há alguns dias, falei no Twitter que estava indo entrevistar uma artista muito especial - para uma reportagem que acaba de ser publicada pelo iG. Era Gal Costa, uma das artistas mais importantes da história deste Brasil.

A certa altura da entrevista, Gal contou um episódio que não vou detalhar aqui (estará nos links acima), sobre uma briga em que se envolveu no trânsito, no auge do frêmito tropicalista, 1968, 1969, não sei exatamente. Ornada com o cabelo black power e o figurino exuberante da época, Gal (que afirma ser exímia motorista) entrou em conflito com um homem que, a partir de um gesto (obsceno) dela, desceu do carro, perseguiu a cantora, deu um tapa na cara dela e arrematou: "Ponha-se no seu lugar de mulher!".

Era 1968, 1969.

Como já cantou à mesma época outro tropicalista (negro, por vezes black power), muita coisa sucedeu daquele tempo pra cá. O Brasil aconteceu, é o maior, que é que há?

Hoje é 2010. Vivemos num outro século, no qual descendentes de árabes proclamam que não somos racistas, neodefensores (defensores?) dos direitos humanos denunciam o advento da "heterofobia", neopregadores antiaborto brotam dos esgotos, neofeministas (feministas?) vencem eleições defendendo a integridade física das mulheres contra candidatos (negros) que já praticaram violência contra mulheres. Não somos mais misóginos. Em uma mulher como Gal Costa não bateríamos nem com uma for. Agredir Dilma Rousseff?, Marina Silva?, nem pensar!

Mas aí acontece uma campanha eleitoral e de repente minhas vistas ficam turvas.

Na televisão, vejo a cervejaria Brahma fazer gracinha com o fato consumado (fato?, consumado?) de que homens (machos, daqueles que coçam o saco) gostam muito mais de futebol (e de outros homens) - e de cerveja, é óbvio - do que de mulheres.

Na "grande" mídia, leio uma famosa e formosa atriz convocando esses mesmos machos (que gostam de coçar o saco) a arrasar Dilma Rousseff nas urnas, quiçá violentamente.

No Twitter, por fim e não menos chocante, ouço um chapa dizer que viu "uma patricinha imbecil" fazer "uma conversão tão estúpida com sua Pajero que merecia uma surra". Uma surra, entendeu? Um chapa esclarecido, percebeu? É 2010, e há gente disposta, ao menos retoricamente, a fazer com uma "patricinha estúpida" o mesmo que velhos pitbulls faziam com Gal Costa em 1969, 1968.

O monstro da misoginia mudou de cara, mudou mil caras, mas ele segue habitando o mesmo pântano em que sempre morou, e está disposto a arreganhar os dentes diante do primeiro indício de se sentir ameaçado. O monstro da misoginia odeia o sexo feminino mais que tudo na vida dele (talvez odeie ainda mais o sexo masculino, mas essa é outra parte do assunto) - e o monstro da misoginia, por ter mil caras, ocorre em forma de homem heterossexual, de mulher heterossexual, de homossexuais em geral, de minorias sexuais as mais variadas. Ocorre em todos os formatos, cores e tamanhos.

No início de 2010, homens e mulheres elegeram Marcelo Dourado o herói (ignorante, tosco, misógino, homofóbico) do Big Brother Brasil. Em outubro de 2010, mulheres (e homens) tomam, nas ruas brasileiras em campanha ensandecida, o mesmo tapa na cara que Gal tomou em 1968, 1969, multiplicado por milhões.

O monstro da misoginia tem mil faces - às vezes se disfarça de bicho-papão da homofobia, outras de dragão da xenofobia, depois de jaguadarte do racismo. O mostro de mil caras é um torturador nato, manja tudo de choque elétrico, pau-de-arara, telefone, bastão introduzido na vagina e/ou no ânus de quem ele diz mais detestar (há sempre algo de sexual no ódio do monstro de mil caras).

O jaguadarte que venceu a Alice de Lewis Carroll (mas foi vencido pela Alice de Tim Burton) é pedófilo, mas nunca ninguém vai ficar sabendo disso. Misturando-se com a paisagem de cada ocasião, ele se traveste de fanático religioso, beata castiça, padre ou pastor que usa e abusa de Deus para cuspir no mundo seus ódios internos e segredos guardados. Ele é a favor da vida, desde que não seja a vida da mãe que acabou de abortar um pedaço de si própria - o jaguadarte é sempre, sempre, sempre misógino.

Há poucos dias, disse a brava psicanalista Maria Rita Kehl, em entrevista à revista "CartaCapital": "A ONG Católicas pelo Direito de Decidir me convidou para debater, e elas pensam assim: a criminalização do aborto é uma questão contra a liberdade sexual da mulher, ponto. Não pode usar camisinha, porque a Igreja também é contra. Então é uma questão de dizer: sexo só dentro do casamento e só para ter filho. É isso, que não está escrito assim, mas é o que está dito. Se não pode usar preservativo, não pode evitar filho, não pode nem evitar infecções, epidemias como o HIV que mata milhões na África, que 'a favor da vida' é esse?".

Mas, ora, se é preciso ceder à pauta do monstro de mil caras e começar pelo beabá, façamos: todo bebê é concebido por uma mulher em associação com um homem. Todo aborto é feito por uma mulher com a participação (e/ou omissão) de pelo menos um homem. Bebês abortados são utilizados para demonizar e inculcar toneladas de culpa nas mentes femininas - exclusivamente das mentes femininas, como se os homens não participassem da concepção e do nascimento, ou do aborto. O abominável homem das florestas demoniza o aborto, mas não é porque queira defender a vida - ele quer é atentar contra ela, por intermédio do controle dos corpos (e das mentes) das mulheres.

Os homens da cervejaria Brahma que gostam mais de cerveja e de futebol que de mulher são os homens que não assumem o pedaço de gente que injetam no corpo de "suas" mulheres - e preferem ir ao futebol com uma cervejinha na mão a acompanhá-las até a clínica clandestina de abortos.

O dragão da misoginia (ele é macho, mas por vezes se disfarça sob o apelido de Mônica, Sônia ou, mais exótico, Weslian) não quer que ninguém saiba disto, mas todo ser humano carrega sua cota de responsabilidade pelos abortos que a humanidade comete, os físicos, ou políticos e os ecológicos. A mulher arranca um pedaço do seu corpo. O homem se omite, nos mais variados estágios: não assume o bebê, rotula de "vaca", "vagabunda", "puta" e "exploradora" a mulher que abortou, vez ou outra assassina e retalha o corpo da mulher que pariu. No mínimo, simula que o assunto não é com ele.

O religioso celibatário, que para todos os efeitos nunca entrou no corpo de uma mulher (embora tenha saído de um, de uma) nem nunca concebeu nenhum bebê (e quantas mulheres do padre e quantos rebentos-bastardos-errantes de religiosos há por aí, Nossa Senhora Desaparecida!), tenta enlouquecidamente controlar o corpo feminino e a mente feminina, demonizando a mulher que abortou, supostamente sozinha. O monstro de mil caras da misoginia adora o disfarece da batina do padre, do hábito da freira, da bíblia do pastor.

O(a) homossexual, frequentemente misógino(a), sente-se, ele(a) próprio(a), um aborto.

O dragão da homofobia é irmão gêmeo da garatuja da misoginia, e os homossexuais são, por sinal, tanto quanto as mulheres, espezinhados e refugados por diversas religiões, mesmo por sobre a evidência simplória de que TODO homosseuxal (exceto os de proveta) foi concebido por uma relação sexual, heterossexual - por um homem (geralmente homofóbico) e por uma mulher (muitas vezes misógina). Diariamente, heterossexuais concebem homossexuais, apenas para no futuro abandoná-los à deriva.

Se esses homossexuais ficarem mais propensos ao suicídio e levarem a cabo o desespero, religiosos pisarão em seus caixões, vociferando feito cães raivosos contra o "pecado" do suicídio, a infâmia da sodomia, o horror ateu do amor homossexual. Para todos os efeitos, nenhum religioso jamais tocou sexualmente o corpo de outro homem - nem o corpo de um menino (ou menina) que, menos forte do que ele, não conseguiria jamais contar lá fora o que se passou nas alcovas de território "sagrado". A cruzada antiaborto e anticasamento gay jamais aceita o desafio de debater a pedofilia e o abuso sexual.

Uma brasileira candidata a presidente tem sido apedrejada em praça pública, acusada de todos os vilipêndios - "abortista!", "lésbica!", "corrupta!", "bígama!", "assexuada!", "homofóbica!", "terrorista!", "assassina!", "inimiga da ditadura civil-militar!"... 99,99% de seus não-eleitores nem sequer suspeitam (ou será que fingem que não, qual cabeças de um monstro de milhões de bocas arreganhadas?) que são misógino(a)s praticantes, do dia da concepção até a noite que morrerão.

Nalgum momento da década de 1970, essa mulher foi "barbaramente torturada" por aquela ditadura, como ela mesma já atirou no rosto liso de um político do partido que se autobatizou DEM, tantando se travestir de "democratas", mas aproximando-se em ato falho freudiano do "demo". José Serra é do bem (ou do dem, do DEM, do demo?). À fogueira, quem deve ser remetida é a BRUXA que espelha nela todas as nossas mazelas e algumas mais.

Talvez ela seja uma ou algumas ou muitas daquelas coisas que os apedrejadores a acusam de ser. Talvez nem seja.

(A propósito, aqui no Brasil artistas empenham prestígio ligando para Lula quando querem evitar o apedrejamento de uma mulher iraniana, mas não exibem nem longinquamente a mesma indignação quando o apedrejamento é na esquina ao lado, ou dentro da própria casa. Aqui e agora, onde há fumaça, não há fogo - no máximo há fogo-de-palha. Como cantava Gal Costa em 1968, 1969, atenção, menina, precisa ter olhos firmes para esta escuridão. Porque tudo é perigoso. Tudo é divino. Maravilhoso. É preciso estar atenta e forte. Não temos tempo de temer a morte.)

Talvez Dilma seja uma ou algumas ou várias das coisas de que os apedrejadores a acusam de ser. Mas não é só ela. Eu também sou. Você também é (mesmo que seu nome seja Reinaldo Azevedo ou Otavio Frias Filho). Um mundo onde os indivíduos não encaram e menos ainda enfrentam suas próprias idiossincrasias e suas próprias responsabilidades é o mundo de indivíduos que vão buscar "abrigo" nos diversos fanatismos religiosos (ou no fanatismo ateu, futebolístico, musical, televisivo, jornalístico, cinéfilo, corruptor, ladrão, matador-de-aluguel, acumulador de dinheiro - tanto faz).

O desafio que aguarda Dilma Rousseff é gigantesco. Assim como Weslian Roriz, Mônica Serra e Soninha Francine despontam como paradigmas lastimáveis da submissão feminina aos humores machistas e misóginos de "seus" homens, maridos, patrões e chefes, cá entre nós, o mesmo perigo ronda a própria Dilma Rousseff, em relação a Luiz Inácio Lula da Silva. A postura e a atitude que ela tiver ao cabo deste magnífico (embora escabroso) segundo turno norteará seu futuro de independência (ou não) em relação ao(s) seu(s) mentor(es). E em relação a nós. E a ela mesma, Alice brasileira de 2010, acima de qualquer outro indivíduo.

Eu votarei em Dilma Rousseff, com o mais profundo dos meus entusiasmos e das minhas convicções. E aposto todas as minhas fichas em que, ao cabo de tanta luta, tanto esforço, tanto sangue, tantas lágrimas, teremos o, ou melhor, A presidente da república mais INDEPENDENTE da história deste país. E saberemos honrar a independência dela com a nossa própria, como já começamos a fazer em relação ao seu antecessor.

Abolição de escravatura é um negócio formidável, que não tem retorno. Ao futuro (e obrigado, dona Gal, pela bela, triste e violenta história que a senhora desenterrou de seu armário de ossos, e que a ajudou a ser quem é como artista; não se canse nunca, por favor, dona Gal, nós precisamos de você).

sábado, outubro 16, 2010

eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz

"80% dos brasileiros, pelas pesquisas, consideram o governo Lula bom ou ótimo. Não é curiosíssimo que a mídia não faça outra coisa senão dizer que este é o pior governo do mundo? Então que valor tem a opinião pública? Que valor têm esses 80% de opinião pública? Nenhum. A mídia não tem nenhum respeito pela verdadeira opinião pública, que é a opinião dos cidadãos." Assim falou a filósofa Marilena Chauí, num dos manifestos que tornou públicos - coerentemente, não pela mídia tradicional, mas por intermédio do anárquico e caótico YouTube.

Entre várias das falas dela, esta foi a que calou mais fundo dentro de mim - apesar de esse tema, a manipulação por parte dos controladores daquela que é a minha profissão (o jornalismo), frequentar obsessivamente meus pensamentos e sentimentos e reflexões nos últimos muitos anos (oito, no mínimo).

Calou fundo em mim porque o raciocínio que ela faz é muito, muito, muito simples. Essa fala de Marilena demonstra que a sanha sanguinária da "grande" mídia a que ela se refere contra Lula não é dirigida especificamente a Lula, a ao cidadão-presidente Lula. A espuma antilulista que baba da boca da "grande" mídia vem cuspida contra 80% dos brasileiros (me incluo entre eles). Dirige-se, em última instância, ao Brasil como um todo. É, pois, uma fúria suicida.

Exemplo quente e eloquente é o desenlace recente da relação entre Maria Rita Kehl e o "Estado de São Paulo", logo depois de ela ter publicado naquele jornal o texto "Dois pesos...". Lúcido, sóbrio e oposicionista (quero dizer oposicionista ao Partido da Imprensa, atualmente travestido de demotucanato), o
artigo deflagrou todo um processo freudiano no seio da "grande" imprensa paulista.

Não à toa, Maria Rita Kehl é psicanalista, e não jornalista - fez por nós, jornalistas, o que não tínhamos coragem e força, sozinhos, para fazer, intimidados que somos cotidianamente diante de nossos patrões. O processo psicanalítico (sim, o Brasil está deitado no divã, se é que ainda cabe essa imagem-clichê) é tão interessante que trouxe notoriedade merecida à formidável profissional que é Maria Rita. "O que tem de legal é que, por exemplo, este meu artigo foi mais lido que qualquer outra coisa que eu jamais tenha escrito. Se ele tivesse ficado apenas no 'Estadão', ele teria sido lido, mas jamais deste jeito. Isso é uma coisa muito legal", afirmou ela em entrevista à minha querida (e dissidente) "CartaCapital", num texto denominado "A campanha eleitoral assumiu um tom fascistóide, diz Maria Rita Kehl".

O bonito nesse imbroglio todo é que o "Estadão" acabou por ser honesto, mesmo em querer, quando trouxe à tona, via desligamento da colunista, a ditadura que segue em vigência no interior da "grande" mídia brasileira em pleno 2010, nada menos que 25 anos após o término oficial do regime autoritário/repressivo civil/militar instalado no Brasil em 1964.

Não sou nenhum especialista em Freud, mas não seria esse vacilo do "Estadão" o famosíssimo expediente do "ato falho", o mesmo que levou José Serra a cometer outro dia um "eu nunca disse que sou contra o aborto, porque eu sou favor ", quando queria dizer exatamente o oposto? O ato falho se aprofundou nos dias seguintes, porque a exposição maciça do artigo via internet levou o texto de Maria Rita (e do "Estadão") ao conhecimento de gente que se considera "informada", mas por outros expedientes jamais teria tido acesso às ideias (simplíssimas, assim como as de Marilena Chauí) nele contidas.

O caso expôs nu e cru, em síntese, o estrangulamento ditatorial e a falta dramática de liberdade em que se encontra todo e qualquer jornalista, de qualquer coloração ideológica, que se encontre hoje trabalhando no conglomerado para-oficial GloboVejaFolhaEstado.

Mas quem milita no "Estadão" sabe que o corte sumário de Maria Rita após a publicação (e repercussão) do artigo deu origem a uma avalanche de cancelamentos de assinaturas. E quem trabalha no "Estadão" sabe o clima de caça às bruxas que vigora lá dentro por esse caso, mas também além e independentemente dele.

Em 2006, por causa da chamada "crise do 'mensalão'", eu havia feito o mesmo com minha querida "Folha", meu ninho de nascimento, desenvolvimento e ascensão como jornalista. Eu já havia saído da "Folha" para a "CartaCapital" em dezembro de 2004. Em 2006, cancelei minha assinatura após 16 anos de leitura e devoção consecutivas e ininterruptas - por muitos motivos, mas inclusive pela teimosia de não querer desembarcar, diante das primeiras adversidades, do presidente no qual eu havia votado, também ininterruptamente, desde 1989. Todo mundo sabe que o processo de cancelamento de assinaturas tem sido uma sangria constante, e maciça, desde pelo menos o malfadado "mensalão". Quem trabalha na "Folha" hoje sabe o que é viver o constrangimento de se identificar como jornalista de lá e, não poucas vezes, ser xingado de "reacionário" ou "fascista". Funcionários do antigo sonho dourado de todo jornalista hoje têm de conviver com a vergonha de trabalhar na "Folha", coisa impensável até, pelo menos, os anos tucanos de FHC.

Quem trabalha na "Veja" vive os mesmos dissabores, de forma mais dramática e há muito mais tempo, a ponto de às vezes não ser possível dissociar a "Veja" (e sua editora, a Abril) de quem trabalha como jornalista lá dentro.

Sobre a(o) Globo nem me atrevo a lançar palpite, tão distante é a (ex-)"vênus platinada" do meu dia-a-dia. Mas Hildegard Angel (colunista social, ex-global, mas também irmã e filha de gente assassinada pela ditadura civil-militar) falou, dia desses, algo sobre funcionários da rede terem de assinar contrato com cláusula impedindo-os de se pronunciarem politicamente - não posso afirmar que é verdade, mas, supondo que seja, alguém conhece forma mais explícita de ditadura que a mordaça político-ideológica?

São, todos esses, casos exemplares de comportamento suicida. Tudo isso é suicídio. Ou, no mínimo (e aí não se espante nem se diga surpreso quem anda sangrando e perdendo assinantes por segundo), há aquela frase de Joseph Pulitzer (1847-1911), inúmeras vezes reproduzida no Twitter ultimamente: "Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma".

Mas não entremos nesse mérito apavorante, prefiramos acreditar que essa grande tragédia se trata mais de suicídio que de mercenarismo. Se for assim, o que temos assistido no Brasil nestes anos 2000 é resultado do ódio dirigido pela "grande" mídia a si própria, espelhada em (no mínimo) 80% do Brasil, rebatida na figura-ícone de Lula.

Quero dizer com isso que a "grande" mídia deveria pular para dentro do barco de Lula, tornar-se adesista, jogar a toalha, ser submissa a Lula como a imprensa paulista é subserviente a José Serra e a imprensa mineira é capacha de Aécio Neves? Não (até porque, admito meio maquiavelicamente, esse ódio todo tem sido responsável por parcela interessante do desabrochar, do desenvolvimento e do bom desempenho de Lula - e de no mínimo 80% de nós, e do Brasil perante o Brasil e perante o mundo). Bastava não espumar ódio. Bastava criticar e combater (se era mesmo o caso de a "grande" mídia ser, em peso, partido de oposição, como chegou a defender publicamente a atual presidente da Associação Nacional de Jornais, Judith Brito, egressa da "Folha") com comportamento racional, sóbrio, equilibrado, justo, coerente.

O ódio contra 80% do Brasil é um ódio suicida. Os poderosos-chefões que acreditam, esúupida e ignorantemente, combater a figura de Lula estão combatendo o país que pariu a eles próprios (ou seriam esses poderosos-chefões estrangeiros camuflados, ou agentes-laranja de estrangeiros clandestinos enciumados do Brasil, ou temerosos de perder os royalties bilionários do pré-sal?). Se são brasileiros, estão combatendo a eles mesmos. Suicídio.

Faço todo esse passeio para chegar a concluir o que calou fundo em mim na fala de Marilena Chauí, essa nobre filósofa não por acaso detestada apaixonadamente (ódio É amor?) por nove entre dez poderosos-chefões (misóginos, eu ouso acrescentar) da "grande" - e envelhecida - mídia.

Nós, brasileiros (e especialmente nós, jornalistas), não queremos a sua morte, senhora dona persona. Não queremos o seu fim, senhora "grande", tradicional e cerimoniosa mídia. Há tempo hábil para que a senhora desperte desse sono narcotizado e entenda que não está lutando contra Lula e a candidata dele (nossa) - mas sim contra o país que pariu a senhora (ou devo excluir desse rol a poderosa-chefona Globo, fundada sob capital oculto da Time-Warner, sobre alicerces norte-americanos clandestinos?). Nós precisamos da senhora, senhora dona "grande" mídia, e não vemos a hora em que venha a merecer novamente o adjetivo, sem aspas, de Grande, quiçá nossas assinaturas de volta. Até daqui a pouco.

P.S.: Não é por mera coincidência que Marilena Chauí e Maria Rita Kehl são mulheres, assim como a candidata Dilma Rousseff. A "grande" mídia, apesar dessa denominação feminina travestida, tem sido exclusivamente do sexo masculino, do descobrimento do Brasil até o dia de hoje. Amanhã, ninguém sabe.